Mídia
MídiaInvestindo em tecnologia — Por Suy Anne Rebouças
Valor Econômico
Quando eu decidi fazer Medicina, nunca pensei que hoje estaria gerindo uma carteira de empresas dedicadas ao setor de saúde. De médica à gestora de investimentos foi uma longa caminhada. Para mim, ciência era a maneira mais natural de apreender um mundo que de outra forma poderia ser absurdamente obscuro; eu ficava encantada com sua precisão e poder.
Na Johns Hopkins, onde fiz meu pós-doutorado, o sonho de investir em ciência médica começou a tornar-se realidade. A Hopkins é um celeiro de ideias onde professores renomados desenvolvem moléculas, asseguram patentes e fundam empresas inovadoras com o objetivo de tratar doenças complexas e muitas vezes sem cura. Além dos médicos e pesquisadores, estão lá presentes investidores de capital de risco e de fundos privados dedicados à saúde, e profissionais da indústria biofarmacêutica. Todos eles com um interesse em comum: descobrir as grandes revoluções da medicina.
Talvez a maior descoberta das décadas de 70/80 tenha sido a biotecnologia. Essa ciência desenvolveu a noção de que os seres vivos são máquinas complexas, nas quais o DNA – nosso material genético – desempenha o papel de software mestre. A molécula de RNA serve como um sinalizador para produzir proteínas, que são as engrenagens das células vivas – e os alvos de novos medicamentos. É uma indústria com uma agenda ambiciosa. Seu objetivo é entender e mudar os seres vivos, como reprogramar bactérias para produzir a cura de doenças.
Biotecnologia não é uma moda passageira que explodirá como a bolha especulativa da internet dos anos 90. Biotecnologia é a expressão industrial de um movimento poderoso na história da ciência, um movimento que já está há sessenta anos em formação. Assim como nosso domínio da química e da física transformou o século XX, levando a profundas inovações como televisores e semicondutores, a biologia molecular continuará remodelando o século XXI.
Essa impactante corrente científica surgiu simultaneamente ao aumento da população de terceira idade, tanto no Brasil quanto no exterior, ampliando a demanda por novos medicamentos e métodos diagnósticos. A convergência dessas duas tendências – o amadurecimento da biotecnologia e o envelhecimento da população – são as forças que tornam essa indústria uma área promissora de investimento. Há mais uma razão pela qual muitas pessoas investem em biotecnologia: as empresas desse setor estão atacando as causas profundas do câncer, infarto, Alzheimer, doença de Parkinson e outros flagelos modernos, como a pandemia que assola o mundo atualmente.
Conhecemos o célere ritmo da Internet e a noção de que tudo que é alta tecnologia se move de forma veloz. Os investimentos em biotecnologia são regidos pela noção oposta. A onda da biotecnologia não é um golpe rápido de água na costa. Ela se move na “velocidade da areia”, uma velocidade consistente com a natureza da indústria. Aqui, os horizontes de desenvolvimento se estendem por anos, até décadas. Essa busca por tratamentos e curas, apesar de longa e íngreme, vale a pena quando se acha um vencedor.
Os medicamentos estão entre os produtos de maior margem de lucro do mercado. Os custos da pesquisa são em grande parte incluídos antes da aprovação da droga. No momento em que o medicamento é aprovado, o custo de fabricação, vendas e distribuição costuma ser insignificante em comparação com os riscos e despesas assumidos antes de obterem a chancela das agências reguladoras.
No dia 11 de março de 2021, completou um ano que a Organização Mundial da Saúde declarou que vivíamos a pandemia do SARS-CoV-2. Apesar de assustadora, a pandemia não pode mais ser considerada uma força incontrolável da natureza. O papel da biotecnologia no combate à covid-19 tem sido essencial. O mundo assistiu ao mais rápido desenvolvimento de vacinas da história. Da Moderna à Astrazeneca, da BioNtech/Pfizer à JNJ, da Regeneron à Eli Lilly, cientistas se uniram e tiveram um apoio financeiro jamais visto – tudo isso para desenvolver vacinas e tratamentos em tempo recorde. Essas moléculas hoje estão salvando milhões de vidas.
Ter somente o conhecimento não é transformacional. Transformacional é poder utilizar esse conhecimento para que as ideias saiam do laboratório e transformem-se em medicamentos e equipamentos que possam combater doenças e melhorar a qualidade de vida de todos nós.
Lembro muito bem de quando eu estava “do outro lado da bancada” e de como era difícil conseguir verba para desenvolver um novo medicamento. Temos que investir mais em ciência. Em geral, nós damos nossa saúde por certa, e esquecemos que ela é nosso passaporte para a vida; para que possamos girar o mundo dos negócios, a economia, a política, e todo o resto. O mundo da descoberta científica é fascinante – me estimulou a dedicar esses últimos 30 anos à pesquisa e ao investimento em cientistas e companhias que sabem, como ninguém, que a saúde é o nosso bem mais precioso.
Suy Anne Rebouças é gestora de health care e biotech na JGP Asset Management
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.
Leia a matéria original no Valor Econômico aqui.