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Grupo restrito de fundos macro supera o CDI
De amostra de 68 multimercados, 24% bateram o referencial em 2024; classe mostrou reação no segundo semestre
O primeiro e o segundo semestres de 2024 contam duas histórias totalmente diferentes dos multimercados macro, a versão brasileira dos “hedge funds”. Nessas estratégias, em que os gestores balizam as suas posições em diversas classes de ativos e geografias, conforme o diagnóstico de cenário, eles podem capturar retornos acima do CDI tanto na bonança
De uma amostra de 68 multimercados com esse perfil, acompanhada pelo Guia de Fundos do Valor, só 6% superaram o CDI na primeira metade do ano, número que sobe a 58% nos seis meses finais. No consolidado de 2024, um grupo restrito, de 24%, superou o referencial, que anda colado à Selic, no ano passado, com ganhos de 10,9%. Na média do conjunto avali
Fundos macro da Adam Capital, com ganhos de quase 29%, da Genoa (entre 13% e 22%), da SPX (15% e 22%), os da JGP (12% a 16%), o Verde (12,1%) e Capstone (11,7%) são alguns destaques dessa seleta lista entre as assets independentes.
No multimesas da Itaú Asset, que reúne as estratégias de valor absoluto, o Global Dinâmico Ultra, que sintetiza os diferentes estilos de gestão, teve a melhor performance (12%), seguido pelo Artax, liderado por Bruno Bak, o Janeiro, do ex-BC Bruno Serra, ambos com 11,2%, e Optimus Extreme (11,1%).
Conforme observa o economista Marcelo d’Agosto, coordenador do Guia Valor de Fundos, o que distinguiu o primeiro semestre do segundo foi a disparada do dólar, a acentuação da queda do Ibovespa e do IMA-B, índice de títulos públicos da Anbima que representa uma cesta de papéis indexados à inflação, e sintetiza o juro real.
“Os fundos abandonaram o ‘kit Brasil’ [posições que ganhariam com a valorização do real, com alta das ações e queda dos juros], encheram a carteira de dólar e alguns conseguiram fechar acima do CDI”, resume d’Agosto. Na parcela alocada no exterior, o índice S&P 500, da bolsa americana, também deu sua contribuição.
“Fora quem comprou o S&P 500 em dólar no segundo semestre, nada foi melhor no Brasil do que o multimercado”, diz Ilan Parnes, sócio da JGP do time de relações com investidores. No rol de fundos macro “raiz”, os gestores entregaram resultados excepcionais, com retornos entre 5 e 6 pontos percentuais acima do CDI, hoje em 12,25%. “Talvez a indústria esteja um pouco menor, com posicionamentos mais flexíveis, houve mais ruído geopolítico trazendo oportunidades.”
Depois de uma “tempestade perfeita” no triênio de 2021 a 2023, com muito título incentivado no mercado e o fim do diferimento tributário nos fundos fechados exclusivos e restritos, Parnes acha que pode haver uma janela para o investidor voltar para a classe. “Na hora que está se desfazendo do exclusivo, o cliente pensa: ‘não preciso voltar para o multimercado, a performance não tem sido boa, e tem um monte de opção incentivada, vou surfar essa onda aqui’. Mas o cara que aumentou a posição nos últimos seis meses [em multimercados] não só está ganhando do CDI, como está ganhando muito da incentivada.”
O executivo cita frase do sócio André Jakurski, fundador da JGP, em podcast da casa, que 2025 vai ser o ano dos fundos atrelados ao CDI, dentre eles os multimercados. O caixa em CDI já parte de um nível alto de remuneração, e o gestor tira dinheiro dali para buscar o retorno extra em relação ao referencial, o tal do “alfa”.
No fundo Verde, a gestão virou a mão em abril, quando percebeu que os ativos brasileiros iam se deteriorar. “A verdade é que quando isso aconteceu o fundo já tinha uma pequena perda. Então não só deu para recuperar essa perda, como, no limite, ainda sair acima do CDI. Essa foi uma das mudanças”, diz Luis Stuhlberger, executivo-chefe e de investimentos (CEO e CIO) da Verde Asset Management.
Uma outra fonte de ganhos veio do chamado “Trump trade”, de imaginar que a intenção de votos que aparecia nas pesquisas não confirmaria nas urnas a vantagem da democrata Kamala Harris. Ganhou, assim, com ativos que se beneficiaram da volta de Trump à Casa Branca. Operações com moedas da China, da Índia e de mercados emergentes também contribuíram, bem como a pequena exposição em bitcoin. Parte dessas posições foram realizadas.
No Brasil, Stuhlberger diz ter diminuído as posições tomadas (apostando na alta) dos juros longos, praticamente zerou em inflação, mas segue levemente vendido (apostando na queda) em ações, enquanto permanece com uma parcela comprada em dólar/real. No nível acima de R$ 6, Stuhlberger considera que, dado o quadro de fragilidade fiscal, o dólar ainda parece “assimetricamente barato”, enquanto o juro andou demais. Mas ele vê riscos que justificariam até estar mais “short” (apostando na queda) em Brasil.
Diante da recuperação dos multimercados no segundo semestre, ele destaca que a classe consegue ser “completamente descorrelacionada do comportamento dos ativos no Brasil”. Num 2024 em que a bolsa caiu, o dólar, os juros e a inflação subiram, quem estava nestes ativos “perdeu, ficou mais pobre”, afirma. “É bom lembrar que essa é a única ‘asset classs’ que pode ganhar dinheiro quando as coisas vão mal. Não quer dizer que sempre ganhe, mas é a única que pode.”
No JGP Strategy, em que um “pool” de dez gestores é responsável por um pedaço da carteira, com liberdade para montar as suas posições, todas as caixas foram bem, diz Parnes, com exceção da proteção em bolsa americana, que serviu como “hedge” para as demais. A gestão ganhou com estratégias relacionadas a ações no Brasil, juros em emergentes e com o ouro.
O executivo da JGP diz que o estilo de gestão da casa é mais “desconfiado”, buscando consistência de longo prazo e preservação de capital. Nos anos em que a indústria não vai bem, costuma se sobressair. “Qualquer cliente que tenha entrado no Strategy em qualquer dia dos 13 últimos anos, até 31 de dezembro, está acima do CDI. Em 2024, em particular, o diagnóstico foi de que a economia ia surpreender no crescimento, o que acabaria pressionando os preços dos ativos. A gestão expressou isso com posições mais táticas, de curto prazo, nada estrutural.
Às vésperas de Donald Trump assumir a presidência nos Estados Unidos, no dia 20, é hora de cautela “para ver como o bumbo vai tocar” no novo mandato do republicano, diz Parnes. Mesmo se o mundo tiver um cenário pior ou se for um ambiente mais adverso para os emergentes, a avaliação dentro da JGP é que o Brasil não é um “bom cavalo” para surfar essa essa tendência. Os preços se depreciaram demais e o real foi uma das piores moedas.
Parnes diz não saber por que houve tanta saída de dólares em dezembro, mas o Banco Central (BC) conseguiu prover liquidez com as suas atuações e o câmbio agora parece se acomodar num patamar mais baixo.
Foi uma leitura um pouco distinta do cenário, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, e uma série de evoluções nos últimos anos na asset que trouxeram frutos para os multimercados macro da Adam Capital, segundo o sócio-fundador e gestor Marcio Appel.
“É bom quando você consegue ter uma análise que é diferente do mercado e se prova correta, traz um potencial de ganho relevante”, diz o gestor, que enfrentou períodos adversos entre 2018 e 2022. “O que a gestão melhorou ao longo dos anos foi o respeito ao caminho até as posições se mostrarem vencedoras. A gente se preocupa mais agora com o ‘timing’, de esperar quando as coisas vão acontecer, do que no início.”
Appel diz que desde o começo de 2023 nunca se convenceu de que o arcabouço fiscal serviria de trava para o crescimento das despesas do setor público. “Havia um cenário de clara aceleração da inflação ao longo dos anos e, desde o meio do ano passado, a balança comercial apresenta uma tendência de queda, muita gente olhava a foto e não estava vendo o filme”, afirma. “Havia em curso uma deterioração das contas externas, com o consumo vazando para fora, as importações crescendo de forma robusta, ia ter consequências para o mercado de câmbio.”
Lá fora, o gestor conta que iniciou 2024 muito otimista com a bolsa americana e mais preocupado com os juros. Se a atividade não desacelerasse, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) não poderia prosseguir com os cortes que os investidores anteciparam nos preços dos títulos do Tesouro americano. As posições tomadas (apostando na alta) em juros americanos e direcionais em bolsa deram resultado. Agora, ele vê boas indicações de que o crescimento vai ser mais forte do que o mercado espera e com uma inflação razoavelmente comportada.
Para 2025, o diagnóstico do gestor da Adam para o Brasil é de uma desaceleração da atividade no segundo semestre se, de fato, o crédito começar a se contrair. “Não é normal que os bancos se recolham antes que a inadimplência suba”, diz Appel. A dúvida é se o governo Lula vai aceitar uma atividade razoavelmente mais fraca. Se insistir num ritmo forte, vai pesar nas expectativas de inflação corrente e no câmbio, já que o Brasil cresce acima do seu potencial há algum tempo.
Conhecida por posicionamentos mais táticos, especialmente em mercados emergentes, a Genoa capturou ganhos ao longo do segundo semestre em uma aposta de que o dólar ia ficar mais forte em relação a outras moedas, não só o real, diz o sócio-fundador Rodrigo Noel. “A desaceleração que se esperava nos EUA vinha limitando o espaço para o Fed flexibilizar a política monetária lá, enquanto outras economias vinham perdendo o ímpeto ou os BCs estavam ficando mais frouxos.”
No Brasil, de onde a Genoa extrai 30% do seu retorno desde o início do seu primeiro multimercado, Noel acrescenta que havia uma piora no resultado da conta corrente em razão do aumento das importações e da diminuição do fluxo estrangeiro na conta de capital. “Tudo isso nos trouxe a percepção de que o real podia piorar.” A gestão também obteve ganhos em estratégias ligadas a juros e inflação “implícita”.
Nos multimercados macro da Itaú Asset, o que houve em comum nas carteiras que performaram bem foi um certo viés pessimista com Brasil, segundo Fernando Cavallete, superintendente da área de portfólios especializados da gestora. Depois de num primeiro momento o BC cortar os juros e o dólar cair a R$ 4,80, “uma série de fatores foi minando a capacidade do governo de trazer credibilidade fiscal para os mercados”.
Ele cita que desde a votação dividida do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre a Selic, em maio, o governo perdeu o benefício da dúvida e a decepção só aumentou no fim do ano, com a divulgação de um pacote fiscal casado com proposta de isentar de imposto de renda quem ganha até R$ 5 mil. “O BC tem feito o que precisa. O ceticismo que o mercado tinha em relação à conduta [de Gabriel Galípolo, que substituiu Roberto Campos Neto na presidência] ficou para trás, agora está na mão do fiscal.”