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‘BC indicou que ainda não está com o dedo no gatilho’ para elevar a Selic, diz JGP

Valor econômico |01.08.2024

Com um cenário que contempla elevações na Selic no próximo ano, o economista-chefe da JGP, Fernando Rocha, avalia em entrevista ao Valor que o Banco Central (BC) se mostrou mais preocupado com os rumos da inflação e que se inclinou para a direção de mais aperto monetário. O cenário base da gestora já contemplava aumento na Selic em 2025 para 12,5%, o que se mantém, mas com possibilidade de o aperto adicional das condições monetárias ocorrer antes.

Valor: O que achou da decisão?
Fernando Rocha: O Copom subiu o tom de preocupação. Ao falar do cenário externo, ele observa uma melhora, mas ainda se mostra cauteloso e, em relação ao cenário interno, o que temos é em direção a mais aperto. O Copom diz que a desinflação arrefeceu; eleva as projeções de inflação; coloca três riscos de alta contra dois de baixa no balanço de riscos; se mostra preocupado com o câmbio Apesar de colocar de uma forma meio hermética, o Copom diz que há inconsistências na política fiscal gerando desvalorização cambial e, agora, diz que é preciso vigilância. O Copom deu uma volta para a direção de mais aperto e está mais preocupado. Foi a mensagem que ele passou.

Valor: Com três riscos de alta e dois de baixa, é possível dizer que o balanço de riscos está assimétrico?
Rocha: Acho que não. Claro, significa que ele está mais preocupado com a inflação, mas formalmente dizer que existe uma assimetria no balanço é diferente. Precisamos esperar a ata para saber como foi a discussão sobre as assimetrias na reunião. Colocar um balanço assimétrico é estar próximo de indicar uma elevação nos juros. Funciona quase como um aviso de que terá de elevar os juros. Então, creio que é algo mais forte do que o que ele disse agora, que foi apenas explicitar os riscos.

Visto de hoje, [alta da Selic em setembro] não parece ser cenário de maior probabilidade”
— Fernando Rocha

Valor: O mercado tem debatido a chance de uma retomada de um ciclo de aperto monetário?
Rocha: Acho que o mercado tira probabilidade de alta da Selic em setembro. Para acreditar que já seria possível ver uma elevação nos juros em setembro, ele já teria que dar uma apertada a mais na comunicação e, talvez, dizer que o comitê avalia que há uma assimetria ou apontar que decidiu manter a Selic em 10,5% apenas ‘neste momento’. Não existe uma indicação clara de que o Copom vai subir juros na próxima reunião. Temos 0,22 ponto percentual de alta na Selic precificado na curva para a reunião de setembro. Por isso, acredito que os juros curtos devem cair, mas não acho que o mercado vai tirar do preço as altas de juros em prazos mais longos.

Valor: E o comunicado veio dentro do esperado pela JGP?
Rocha: Sim, bem dentro do que eu esperava. Eu achava que o Copom iria apertar o tom, mas que não daria já agora um viés de alta. Acho que o Copom quer esperar o Fed.
Hoje [ontem] foi o primeiro dia de reação do mercado ao Fed, após ter ficado claro que eles estão se preparando para cortar os juros em setembro. O mercado lá fora foi muito bom para ativos de risco, com exceção do Brasil, que ficou mais prejudicado. O Copom vai querer ver como os mercados se comportam até a próxima reunião, se vamos ter uma apreciação ou não do real etc. Ele preferiu esperar e indicou que não está com o dedo no gatilho. Agora um mês e meio é muito tempo. Se o mercado evoluir mal até setembro e as coisas pioraram, ele pode até mesmo subir os juros. Visto de hoje, não parece ser o cenário de maior probabilidade, mas tudo vai depender muito dos dados.

Valor: E esse tom foi o correto?
Rocha: Era o que eu esperava. Idealmente, a política monetária tem de ser conduzida com cautela; é um transatlântico, não um barco. Na pandemia, por exemplo, ele cortou muito os juros, eu achava uma loucura… Tem de ir navegando aos poucos, já que mudar de ideia tem muito custo. Ele estava cortando os juros; parou e deu a impressão de que era algo temporário; agora deu a sensação de que o ciclo parou mesmo e de que está começando a se preparar para alta de juros. As coisas precisam ser feitas com bastante calma.

Valor: O cenário base da JGP contempla um novo ciclo de aperto em 2025, com a Selic indo para 12,5%. Isso se mantém?
Rocha: Por enquanto se mantém, mas estou propenso a antecipar as altas. Estava supondo que o BC só começaria a elevar os juros em abril do ano que vem, mas acho que pode ser antes. A inflação corrente não está ruim, apesar de o último IPCA-15 ter vindo pior, mas o próprio modelo do Copom está começando a mostrar projeções desancoradas. Ver uma projeção de inflação de 3,4% em 2025 mesmo com a Selic parada em 10,5% é uma desancoragem razoável O cobertor está ficando curto. Há relutância em subir os juros, primeiro porque a taxa já é alta e, segundo, porque existe uma pressão política relevante também. É difícil ficar alheio quando o presidente da República está fazendo campanha contra você Se os fatos ficarem gritantes, o BC vai agir, mesmo que seja politicamente difícil.

Valor: É possível ver altas na Selic antes do esperado pela JGP?
Rocha: Acredito que sim. Estou tentando ajustar o timing. Vai ser uma combinação entre os fatores econômicos e as questões políticas. Os dados precisarão mostrar que será preciso elevar os juros, como a inflação corrente deteriorar um pouco, as expectativas ultrapassarem os 4%… Acho que o BC conta com a carta na manga que é o Fed e, por isso, está na fase de tentar ganhar tempo e avaliar se precisa mesmo subir os juros. Mas, no meu cenário, acredito que abril de 2025 está muito longe Dado que eu espero que o Fed não provocará grandes alterações no mercado e que temos, no momento, uma atividade muito forte, um mercado de trabalho superapertado, um câmbio que deve bater na inflação ainda, as coisas vão agir. Quando eu falava em alta de juros, estava mais isolado, mas agora as coisas estão acontecendo muito rápido e esse cenário já começa a ser aceito por um grupo.


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