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MídiaJGP agora mapeia setor de moda na segunda carta ESG
por Valor econômico
Análise dá subsídios para gestora cobrar engajamento de companhias abertas
Por Adriana Cotias —
A gestora JGP, que em julho do ano passado divulgou uma carta considerada uma espécie de manual para quem quer trilhar o caminho do investimento responsável no Brasil, resolveu se debruçar sobre o setor de moda. Num documento de quase 70 páginas, destrincha os desafios de uma indústria que movimenta US$ 2,4 trilhões ao ano, emprega 300 milhões de pessoas, entre mão de obra formal e informal, e que responde por 3% do PIB global.
A radiografia fornece subsídios para aperfeiçoar o processo de investimentos da gestora e cobrar o engajamento de empresas de capital aberto como Lojas Renner, Grupo Soma ou Alpargatas, potenciais investidas. “As grandes marcas têm a obrigação de cumprir o papel delas”, diz Márcio Correia, sócio-gestor da JGP, que lidera a transição da casa para a agenda social, ambiental e de governança (ESG, em inglês) – vale para a carteira e também para o negócio. “As listadas em bolsa valem algumas dezenas de bilhões, os executivos ganham muito dinheiro, e uma importante questão de governança é que haja um alinhamento.”
É o tipo de mapeamento que a asset fundada por André Jakurski 23 anos atrás e que reúne quase R$ 30 bilhões pretende replicar em vários setores, como agronegócio, varejo, energia e bancário. A JGP tem adotado critérios ESG na seleção de ações e de ativos de crédito para os seus fundos. Essa corrente começou com gigantes globais lá fora, como BlackRock, e vem ganhando impulso no Brasil entre assets independentes e de bancos. A queda da barragem da Vale, em Brumadinho (MG) em 2019 e a pandemia tornaram o olhar para o investimento responsável mais urgente.
Sob a cultura do “fast fashion” e da produção em países que concentram os maiores problemas trabalhistas, como os asiáticos, a indústria da moda dobrou de tamanho desde os anos 2000. Isso faz com que ao longo de uma cadeia extensa haja impactos ambientais e sociais relevantes até a peça de vestuário ou calçado chegar às mãos do consumidor. Conforme lista a JGP no relatório, citando várias fontes, o setor responde por cerca de 8% das emissões e usa 79 bilhões de metros cúbicos de água por ano, o suficiente para encher 32 milhões de piscinas olímpicas.
Num mercado fragmentado, há alguns avanços. O Brasil está, por exemplo, à frente na produção do algodão considerado mais sustentável, o BCI (de better cotton initiative), que apresenta índices melhores no uso de água e químicos do que o tradicional, diz Urbano Lorea, um dos analistas da JGP envolvidos no mapeamento. Mas enquanto as empresas líderes têm evoluído, quando se olha para as menores há ainda um caminho extenso a percorrer.
Correia afirma que algumas transformações em questões socioambientais, não só no setor, vão ocorrer por força dos ganhos de eficiência. As fabricantes têxteis evitam, por exemplo, o desperdício de matérias primas pelo motivo óbvio da redução de custos, mas isso ainda não está dentro de uma agenda ESG.
O gestor cita que todas as etapas são relevantes, mas acabou se surpreendendo com o peso logo o início da cadeia das grandes marcas. “O designer determina o corte, o material, a previsão de durabilidade – se vai usar o material mais puro porque quanto mais misturado mais difícil é a reciclagem no final.” O poliéster, considerado bom para reciclar e que ganha participação no mercado dentre as fibras, quando é lavado joga o equivalente a 50 bilhões de garrafas plásticas no oceano por ano, diz Correia. Os dilemas não páram por aí.
Na ponta do varejo, os lojistas têm a difícil missão de conscientizar o consumidor de que o produto sustentável tem um prêmio, vai ser, portanto, mais caro. Num país desigual como o Brasil, a mudança de comportamento não é trivial. Em diversos países da Europa, o “fast fashion” tem sido repensado, mas os emergentes ainda estão na contramão desse movimento. “Como você vai estimular o não consumismo se o vendedor na ponta recebe comissão? Ainda mais num país emergente em que há a questão psicológica e social, o cara está começando a ter acesso e quer se vestir melhor”, diz Correia.
A equipe da JGP destaca no relatório que a China já alcança um consumo per capta de roupas equivalente a economias ricas como a do Reino Unido. “Toda a parte industrial é muito pesada, em grandes números o mundo joga fora um caminhão de lixo em roupas e calçados por segundo”, afirma Correia, referindo-se ao despejo de resíduos.
Do lado ambiental, cerca de 20% da poluição industrial depositada na água provém do tingimento, tratamento e finalização de produtos têxteis. Mas as decisões que podem reduzir esses impactos podem ser tomadas em qualquer fase do processo.
Grandes redes como H&M, Zara e Patagônia em suas políticas de governança têm pressionado a cadeia de suprimentos, diz Correia. Há um esforço para dar transparência sobre quais são os fornecedores, as características dos materiais que usam e mostrar a pegada ambiental que deixam ao longo das etapas de produção.
Nas conversas com executivos e conselheiros de companhias listadas, Correia diz ver evoluções. “Não é mais uma questão de prêmio, mas se vão ser indutores das mudanças.” Ele acha que investidores ainda têm um papel limitado para a influenciar as empresas e que o canal do consumo é ainda o mais relevante. Se ele não topa pagar mais caro por uma camisa, “eventualmente [as empresas] têm que trabalhar com uma margem bruta menor e criar a cultura”.
Lorea cita alguns movimentos interessantes no mercado brasileiro. A Alpargatas, ao expandir o portfólio da marca Havaianas, lança neste mês o primeiro tênis sustentável, desenvolvido com materiais de menor impacto ambiental. A Renner captou R$ 4 bilhões com uma oferta de ações e a primeira iniciativa que tomou semanas atrás foi a aquisição da plataforma de revenda de roupas e calçados Repassa, uma espécie de brechó online. A Reserva, hoje parte do grupo Arezzo & Co., fechou a compra da Troc, novata que atua no segmento de economia circular com a venda de roupas usadas. O interesse pelas ações da Enjoei, com uma captação de R$ 1,13 bilhão na sua oferta inicial (IPO) em outubro também vem dessa toada. São negócios que conversam com as novas gerações, diz Lorea.
Interessante recorte no relatório da JGP é a estimativa de que as lojas de revendas devem superar o fast fashion até 2029, movimentando US$ 44 bilhões, ante US$ 43 bilhões do varejo tradicional, com lojas de caridade e doações ficando com outros US$ 36 bilhões. No closet do futuro, as peças de segunda mão vão ocupar 17% do espaço, enquanto o fast fashion fica com 9% e o de lojas de departamento com 7% – em 2019, a fatia de itens usados era de 7%, o fast fashion representava os mesmos 9% e o pedaço dos magazines era de 13%.
Entre as populações mais carentes, essa mudança de chave para o consumo consciente é mais complicada, as compras nas lojas que tem no preço o seu maior apelo vai continuar, diz Lorea, mas o público de uma Renner ou C&A pode migrar para o reuso.
Correia afirma haver bastante “greenwashing” no setor, com empresas adotando iniciativas pouco relevantes, mas fazendo muito barulho e vendendo como impacto. “Mas estão indo na direção certa. Começou nas áreas de RI [relações com investidores], mas sem desmerecer o RI tem que estar no C level, nos conselhos, falta ainda decisão corajosa e efetividade”, afirma Correia. “Para o executivo às vezes é difícil, ele sabe que tem um ciclo e que que seja o mais rentável possível, não quer desfocar.” Lorea acrescenta que as empresas vêm atrelando metas ESG como parte da remuneração principal dos executivos.
Lorea diz que várias marcas vêm lançando pequenas coleções mais sustentáveis como teste. “Um ponto do greenwashing é o custo baixo com muito marketing em cima, mas as companhias também não vão mudar da noite para o dia, aos poucos vão entendendo, ok, o marketing é um passo importante”, afirma.
A analista Marina Pimentel afirma que do lado das empresas a rastreabilidade é uma das grandes dificuldades na cadeia de algodão, por exemplo. “As empresas estão primeiro entendendo cada parte da cadeia para depois traçar um plano estratégico abrangente.”
Outra questão sensível é a mão de obra. Os países asiáticos são responsáveis por pouco mais de 60% das exportações de roupas prontas, com a China como principal produtor, seguida pelo Vietnã. A representatividade desse mercado nas economias é de 75% das exportações de Bangladesh e 45% das vendas externas do Camboja são provenientes de atividades ligadas à finalização de peças de vestuário e calçados. A equipe da JGP enfatiza que realocar a cadeia pode ter impactos sociais muito fortes para esses mercados.
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