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MídiaIPCA alto, Selic deve subir
Por Estadão
Fernando Dantas
O IPCA de fevereiro de 0,86%, acima do topo (0,8%) das expectativas colhidas pelo Projeções Broadcast, torna ainda mais premente o início do ciclo de alta da taxa Selic, hoje em 2%. Já existe praticamente consenso de que o ajuste começa na reunião de março, na próxima semana. A discussão do momento é sobre qual será a alta da Selic. A maioria esmagadora das projeções é de 0,5 ponto porcentual (pp) no Projeções Broadcast, mas no mercado futuro de juros a Selic projetada implicitamente em março chegou a balançar entre 0,5 e 0,75pp.
Fernando Rocha, economista-chefe da gestora JGP, no Rio, avalia que, embora o IPCA cheio de fevereiro tenha surpreendido para cima, a composição do índice não foi tão ruim.
Ele nota que os combustíveis, dos quais já se esperava alta, se elevaram mais que o esperado, assim como alguns produtos industrializados – “tradables”, negociáveis internacionalmente – como vestuário e higiene pessoal.
Rocha recapitula que, desde meados do segundo semestre de 2020, os produtos tradable subiram bem, como eletrodomésticos, automóveis e produtos de limpeza. Foi um movimento nas asas da depreciação cambial, da alta de matérias-primas metálicas e químicas que são insumo para esses produtos, e da demanda aquecida pelo auxílio emergencial e pelo desvio do consumo de serviços para bens, típico da pandemia.
Ele acrescenta que já houve algum arrefecimento desse movimento dos tradables, mas a inflação sofreu também outros choques, como o de combustíveis e alimentos. Esses dos últimos itens são considerados mais fora do âmbito de influência da política monetária.
A surpresa inflacionária de fevereiro, na análise de Rocha, foi causada principalmente pela alta dos combustíveis e pelo resquício mencionado (como vestuário e higiene pessoal) da alta dos tradables.
Assim, ele nota que o núcleo inflacionário por exclusão, que retira alimentos e preços administrados e regulados (incluindo combustíveis) do índice, moderou-se em relação aos últimos meses de 2020.
Esse núcleo ficou bastante baixo do início da pandemia até julho, quando registrou 0,04%, e começou a subir em agosto, atingindo uma máxima de 0,85% em dezembro. Em fevereiro, já tinha recuado para 0,46%. Neste número de fevereiro, o economista excluiu educação, cujo reajuste anual é concentrado no mês, e álcool, que subiu 11%. “Acho que assim a comparação ficou mais justa”, comentou.
Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse, teve uma visão mais preocupada sobre o IPCA de fevereiro. Ela vê surpresa negativa em vários itens, como parte dos industrializados, serviços e alimentos.
“Não foi muito concentrado e os núcleos estão mais pressionados; acho que teremos inflação mais alta em março e abril, com commodities industriais e agrícolas e o câmbio puxando para cima – não tem muita notícia positiva”, diz a economista.
Em termos da trajetória da inflação e da Selic, entretanto, as visões de Solange e Rocha são relativamente parecidas.
O Credit Suisse projeta um IPCA acumulado em 12 meses que atinge um pico de 7,66% em maio e cai para 5,1% em dezembro. Hoje, o CS mudou esse projeção para o ano de 4,8% para o novo valor. Já Rocha vê um IPCA chegando a 7% em meados do ano e desacelerando para 4,8% em dezembro (acumulado em 12 meses).
Tanto num caso como no outro, o índice termina bem acima da meta de 3,75%, com limite de tolerância para cima de 5,25%.
A trajetória prevista pelos dois analistas para a Selic também é semelhante. Ambos veem uma alta inicial de 0,5 pp em março, e, por enquanto, projetam a taxa básica encerrando o ano em 4,5%. Solange vê a Selic chegando a 6% em 2022, e Rocha, a 6,5%.
A economista do CS pondera que a comunicação do BC recente indica 0,5pp, já que não houve nenhum comentário novo da autoridade monetária neste período de piora inflacionária e da incerteza fiscal. E também porque 2022 vai se tornando cada vez mais importante no horizonte relevante do BC, e está com a mediana do Focus próxima à meta.
Solange acrescenta que, de forma até um pouco discordante da sua própria análise, o mercado “aceitou bem” a PEC Emergencial como está sendo aprovada, o que se refletiu no recuo do dólar (ajudado também pelas intervenções do BC) e numa menor empinada da curva de juros.
Ela considera que o comunicado (e depois a ata) da reunião do Copom da próxima semana são muito importantes e podem contemplar mudanças significativas de posicionamento do BC. Por isso Solange aguarda o comunicado para possivelmente rever (para cima) a sua projeção de Selic de 4,5% em dezembro.
Entre os pontos que a economista espera ver esclarecidos pelo Copom, estão se o choque de inflação continuará sendo considerado temporário; qual a resultante (inflacionária ou desinflacionária) da combinação de novos lockdowns e do novo auxílio emergencial; qual o grau de ênfase na piora do balanço de risco, com foco na questão fiscal; qual a avaliação sobre o cenário internacional, em que ressurge o debate sobre inflação nos Estados Unidos; e se o Copom manterá a expressão “normalização parcial” [da política monetária], que sinalizaria para ela um ciclo de alta da Selic em duas etapas, neste ano e em 2022.
Já Rocha assinala que o BC tem um trade-off delicado entre manter a credibilidade e a expectativa inflacionária ancorada em 2022 e além – o que descartaria não elevar a Selic em março, ou aumentá-la em apenas 0,25 pp – e o desejo, típico de autoridades monetárias, de evitar solavancos.
Ele nota que, apenas na última reunião do Copom, em janeiro, foi retirado o forward guidance, que sinalizava não elevação da Selic por longo período. E essa decisão veio acompanhada do recado de que não significava sair elevando a Selic o mais rápido possível.
Com esse background tão recente, fazer uma alta de 0,75 pp em março é um tranco.
Por outro lado, pensando nas condições que foram estabelecidas para a manutenção do forward guidance (já retirado, como mencionado), a mudança foi forte o suficiente para justificar pelo menos 0,5 pp da alta da Selic na semana que vem.
A projeção de mercado da inflação em 2022 está acima da meta, e provavelmente subindo, e a política fiscal de certa forma mudou, porque o novo auxílio emergencial foi aprovado extrateto. Entre as condições que foram criadas para a manutenção do forward guidance, apenas as expectativas de inflação de longo prazo ainda estão ancoradas.
De qualquer forma, conclui o economista, “eu, se estivesse no BC, estaria me sentindo bem desconfortável com uma Selic de 2% e a inflação caminhando para 7% em meados do ano”.
Leia a matéria original do Estadão aqui.