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Mídia‘Inflação deve piorar mais e Selic ir além dos 14,25%’, diz JGP
Ainda que o Comitê de Política Monetária (Copom), em seu comunicado de decisão nesta quarta-feira, não tenha dado perspectivas sobre o que irá fazer após a reunião de março, os dados de inflação mais recentes com composição pior, além da desancoragem das expectativas e do câmbio mais depreciado, devem fazer com que o colegiado continue elevando os juros depois de a Selic atingir o patamar de 14,25%. Essa é a avaliação do economista-chefe da JGP, Fernando Rocha, em entrevista ao Valor. Ele diz que o tom da mensagem do Banco Central ontem esteve em linha com o esperado pelo mercado, não assumindo um tom suave ou conservador, e mostrando que a autoridade monetária estará mais dependente dos dados econômicos à frente.
Valor: Qual a sua avaliação sobre a decisão do Copom?
Fernando Rocha: O Copom fez o correto, o que era esperado pelo mercado. A maioria das pessoas com quem eu converso dizia esperar por um comunicado sem ‘guidance’ [orientação futura]. Havia uma minoria que esperava que o colegiado mantivesse o plural, mas é pouco usual dar orientação para mais de dois meses. Estamos falando de adiantar movimentos de 90 dias. São três meses, e nesse intervalo de tempo pode ocorrer muita coisa. A decisão de dezembro foi inusual e se deu porque era um período de transição de equipe.
Valor: Mas se tivesse que dizer que o comunicado pende para algum lado, qual seria?
Rocha: Diria que tem algumas partes pequenas em que o texto pode ser lido como mais ‘dovish’ [favorável ao afrouxamento monetário], mas isso seria procurar pelo em ovo. Por exemplo, quando menciona os riscos de baixa em um cenário inflacionário, ele cita uma desaceleração doméstica, enquanto no comunicado anterior mencionava uma desaceleração global. O Copom, então, nota que a atividade local pode perder bastante ímpeto, dado que os juros estão em níveis mais elevados. Além disso, há a menção a um cenário menos inflacionário para as economias emergentes, ao meu ver uma referência a possíveis medidas tarifárias vindas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Por enquanto não houve nenhum anúncio, mas ele pode fazer isso no próximo final de semana. Outro ponto está no fim do texto, mas é um ponto neutro, e que poderia ter sido mais ‘hawkish’ [favorável ao aperto monetário]. Quando deixa aberto o que vai ocorrer no futuro, o colegiado poderia ter usado o plural e falado de ritmo, indicando que iria aumentar a Selic em mais algum patamar depois de março, mas não houve referência a próximas reuniões depois disso, nem mesmo à velocidade, apenas à magnitude total do ciclo de aperto.
“Banco Central está certo ao não dar orientação das próximas reuniões” — Fernando Rocha
Valor: Houve piora na projeção de inflação pelo BC, isso muda a sua leitura de alguma forma?
Rocha: Esperávamos que eles fossem projetar a inflação a 4% em 18 meses, e foi isso o que ocorreu. Houve piora nos indicadores desde dezembro, mas não quer dizer que vai ficar assim. Quando você tem os juros mais elevados, a inflação converge lá na frente. A medida que vão surgindo dados novos, o cenário vai mudando. O BC tem o tempo a favor dele. Se nada acontecer de pior, quando mudar esse horizonte do terceiro para o quarto trimestre de 2026, a inflação deverá cair. Vai chegar a algum momento em que o BC vai ter que parar de subir mesmo com a inflação desancorada. À medida que você vai andando no tempo, essa projeção vai caindo. Ele não vai cumprir a ferro e fogo. É por isso que eu acho que ele está certo em não dar ‘guidance’ agora. É aquela metáfora da água fria e da água quente. Agora é preciso abrir um pouco da torneira de água fria para esfriar um pouco a economia. À medida que a atividade for perdendo força ele vai mexendo aos poucos na torneira. Não pode mexer demais porque pode errar a dose. Não precisa que o IPCA venha em 3% para que ele altere sua postura. Valor: Na leitura de vocês a inflação então ainda deve piorar antes de melhorar? Rocha: Espero que daqui para frente o relatório Focus ainda tenha alguma piora. Talvez com mudanças mais graduais, piorando não tão rapidamente como agora. Hoje minha projeção de IPCA para 2025 é de 5,7% e de 2026 de 4,5%, ligeiramente acima do Focus. Claro que vai depender dos dados que forem saindo. Se os dados não pioraram, o Focus pode mudar com menos força, convergindo para a minha projeção. Mas até mesmo a minha projeção pode ser ajustada para cima.
Valor: Vocês mantêm, então, a Selic a 15,50% no fim do ciclo?
Rocha: Continuamos. Se fosse ler o comunicado de ontem, ao pé da letra, teria até um risco de ser menos. Ele ficou bem livre. E de 14,25% para 15,5% há um bom caminho. Mas o núcleo da inflação veio ruim, houve desvalorização do câmbio em dezembro. O dólar mudou de patamar, apesar de ter apreciado recentemente. Agora está mais perto de R$ 6,00 do que de R$ 5,60, como estava em outubro. As importações já pegam esse preço novo. Por isso, vejo que teremos notícias ruins pelo lado da inflação por alguns meses. Chegaremos em março com a necessidade do Banco Central dar algum ‘guidance’ para maio. O que eu tenho como projeção é de 0,75 ponto percentual em maio e 0,50, em junho. Pode ser que as coisas evoluam, e não seja necessário, mas, por enquanto, meu cenário permanece válido.