Comunicação
MídiaGestoras de investimentos alternativos crescem e têm mais de R$ 13 bilhões
O número de casas voltadas a investimentos alternativos, comumente chamadas de “special sits” no país, deu um novo salto neste ano. Agora são 45 gestoras, ante 39 no ano passado, segundo levantamento feito pela Spectra a pedido do Valor. O dinheiro disponível para investir também aumentou, alcançando R$ 13,4 bilhões – eram R$ 10,3 bilhões em 2023.
O mercado teve um crescimento expressivo no Brasil nos últimos anos. Em 2015, para se ter uma ideia, eram apenas cinco gestoras especializadas.
Apesar de essas assets serem, no geral, conhecidas por transações envolvendo empresas com problemas financeiros, a classe na prática engloba investimentos alternativos que nem sempre têm um contexto de ativos “estressados”. Sob o guarda-chuva também estão, por exemplo, financiamento de litígios, compra de direitos hereditários, de créditos judiciais ou estruturas mais sofisticadas para cessão de crédito.
No entanto, o ambiente de juros altos, que contribuiu para as dificuldades financeiras de uma série de empresas, teve como efeito colateral mais oportunidades no mundo das “special sits”, como a compra de créditos vencidos ou até mesmo o financiamento de companhias com falta de liquidez. Esse cenário impulsionou não apenas novas gestoras a entrar no mercado, mas casas já tradicionais a abrir áreas para mergulhar no segmento.
Ao mesmo tempo, empresas sufocadas em dívidas passaram a bater na porta das gestoras em busca de auxílio financeiro e muitas encontraram a porta aberta quando o mercado de crédito estava mais seletivo.
O sócio da Spectra Investments, Frederico Wiesel, afirma que o valor disponível para investimentos de “special sits” reflete não somente o aumento do número de casas especializadas, mas também o interesse dos investidores nessa classe de ativos. “Esse mercado segue pujante e o interesse dos investidores continua alto”, afirma. “Os gestores estão cada vez mais criativos para gerar retornos atrativos.”
O retorno esperado, segundo ele, gira entre 25% e 40%, dependendo do risco embutido. Wiesel diz que os family offices são hoje os grandes investidores dessa classe de ativos, enquanto os fundos de pensão ainda estão de fora da categoria.
O presidente da Associação Brasileira de Special Situations e Litigation Finance, Guilherme Setoguti, afirma que o mercado cresceu muito na esteira do período de juros baixos no Brasil, abrindo espaço para o surgimento de casas menores. A expectativa, contudo, é que mais à frente haja alguma consolidação. “Esse mercado vai passar em algum momento por um ajuste”, diz.
Os gestores estão cada vez mais criativos para gerar retornos atrativos”
— Frederico Wiesel
A entidade foi criada ano passado, afirma Setoguti, exatamente para organizar o mercado e criar um foro de discussão sobre a atividade. Dentre os assuntos na mesa, por exemplo, está uma proposta de autorregulação em financiamento de litígios (“litigation finance”) e ações judiciais (“legal claims”), para definir, por exemplo, a necessidade de deixar transparente nos casos quem é o financiador da ação.
Atualmente já são cem associados, entre as gestoras especializadas, bancos, advogados e assessores financeiros. Neste mês, a entidade organizou seu primeiro congresso.
Na Journey Capital, a atuação em “special sits” se dá por meio de um fundo com recursos próprios e também como assessor – a exemplo da recuperação judicial da mineradora Samarco. O sócio da gestora, Fabiano Saragiotto, afirma que a atuação do fundo ocorre quando se identifica a oportunidade de influenciar o processo. Um exemplo recente é o da Rodovias do Tietê, em comprou dívidas no mercado e ao mesmo tempo aglutinou debenturistas para ter poder de influência na empresa. No momento, segundo o executivo, a asset está no processo de estruturação de um novo veículo com o foco em “special sits” e “credit opportunities” (investimento em papéis com alto potencial de retorno).
Saragiotto lembra que esse mercado começou a dar seus primeiros passos no Brasil há cerca de vinte anos, momento em que grandes gestoras estrangeiras de fundos hedge, muitas vezes apelidadas de “fundos abutres”, passaram a olhar oportunidades no país.
Essas casas, que já tinham grande sucesso no exterior, entraram comprando títulos de dívida externa (“bonds”). “Nessa época, o mercado era dominado por esses grandes fundos e pelas mesas proprietárias de bancos”, afirma o executivo, que também é presidente do conselho da Turnaround Management Association (TMA).
Com o passar do tempo, contudo, competidores locais passaram a olhar a classe, à medida que o mercado de capitais brasileiro começou a se desenvolver. Num momento de juros mais baixos, os investidores passaram a buscar mais diversificação para suas carteiras. A desintermediação bancária, segundo o sócio da Journey, também foi fator preponderante para essa evolução. “Com isso houve uma proliferação de gestores e também de ativos locais”, diz Saragiotto.
Para ele, existe espaço para crescimento dessas casas. Um cenário de estabilidade econômica e queda de juros – algo fora do radar neste momento, quando se fala na possibilidade de alta da Selic – poderia atrair novos agentes para o mercado, tal como investidores institucionais. A expectativa dele é a de que mais investidores comprem créditos corporativos. “Precisa ter o fornecedor. Hoje são os bancos, mas vai evoluir para investidores institucionais”, afirma.
A gestora JGP passou anos longe da modalidade, mas decidiu voltar aos fundos de “special sits em 2021”. Hoje, a casa possui R$ 450 milhões investidos na estratégica, já incluindo um novo veículo captado no final do ano passado, conta a responsável pela área, Luiza Oswald. “Os fundos de ‘special sits’ têm uma grande complementaridade com as demais estratégias (de crédito da gestora)”, afirma.
Precisa ter o fornecedor. Hoje são os bancos, mas vai evoluir para investidores institucionais”
— Fabiano Saragiotto
De acordo com ela, o mercado de “special sits” é amplo e cíclico, e, por isso, as estratégias vão se adaptando ao momento.
No escritório Galdino, Pimenta, Takemi, Ayoub, Salgueiro, Rezende de Almeida, o número de clientes do universo de “special sits” tem crescido exponencialmente nos últimos anos, diz o sócio da banca Diogo Rezende. O escritório atua na elaboração de pareceres para os casos que estão sendo estudados para investimento por essas gestoras, tanto para apontar riscos quanto para traçar uma estimativa de prazo. Em alguns casos, também atua ao lado das gestoras na formação do corpo jurídico da defesa da tese.
Rezende lembra que os próprios escritórios são originadores de casos. Há exemplos, segundo ele, de clientes que aceitam ceder o processo a um determinado valor. Nesse momento, entram as gestoras.
O advogado afirma que tem observado nos últimos anos o crescimento do número de casas, com sócios de algumas gestoras abrindo suas próprias casas, ou até mesmo instituições abrindo braços de atuação neste nicho. “Esse mercado está muito aquecido e ano que tem um potencial ainda grande de crescimento dado o volume de litígios no Brasil. E ainda vemos campos pouco explorados, como crédito trabalhista”, diz Rezende.
Prova do interesse de gestoras na temática foi a compra da SPS pela Vinci, em 2022. “A Vinci sempre teve uma área de crédito ‘high grade’ [com baixo risco de crédito] e ela sentia necessidade e vontade de estar nesse setor”, afirma o sócio da Vinci SPS Marcelo Mifano. Segundo ele, o Brasil tem uma economia volátil e as empresas acabam sofrendo com isso, sendo que nem sempre a torneira de crédito tradicional está aberta. “A fonte alternativa de recursos acaba ocupando esse lugar”, diz.
De acordo com Mifano, hoje os investidores já entendem que “special sits” é um termo amplo, que envolve diversas estratégias.
O próximo passo rumo ao crescimento, diz o sócio da ARC, Sérgio Machado, será a chegada desses produtos ao varejo – área que deve diversificar o portfólio em estruturas mais sofisticadas de crédito. Hoje a exposição está basicamente em produtos isentos. Segundo ele, há espaço para expansão dessa indústria no país. “O mercado é grande e tem espaço para todo mundo. Há diferentes focos e áreas de atuação e tamanhos de cheques diferentes. ”
Machado lembra que mais uma prova do amadurecimento do mercado tem sido a parceria entre gestoras para investimentos, replicando algo já comum em mercados mais maduros.