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MídiaFundos de crédito privado voltam a captar, depois de uma longa onda de saques
Por Valor Investe
Por Ana Paula Ragazzi —
Após susto no início da pandemia, indústria se recuperou rapidamente e espera ganhar impulso com a alta da Selic, já que os papéis de dívida das empresas são majoritariamente pós-fixados
Após 16 meses consecutivos de saques, os fundos de crédito privado de gestoras independentes — não atreladas a bancos — voltaram a apresentar captação líquida positiva de recursos. De acordo com dados de uma amostra desses fundos acompanhada pela gestora JGP, após R$ 100 milhões em saques em janeiro, em fevereiro o saldo já ficou positivo, em R$ 120 milhões. Em março, eles acumulam mais uma vez um fluxo positivo, que estava em R$ 580 milhões até dia 25. A amostra reúne 156 fundos, que somam R$ 57,8 bilhões.
Alexandre Muller, sócio da JGP, destaca que a captação começou a voltar em fevereiro, na expectativa de alta da taxa Selic. Como a elevação se confirmou em março, o fluxo positivo se intensificou. Ele destaca que o crédito privado no Brasil, predominantemente pós-fixado, atrai fluxo em ciclos de alta da taxa e perde recursos quando ela cai.
A retomada da captação coincide com um ano de pandemia, que afetou fortemente o segmento, principalmente em março e abril do ano passado. Naqueles meses, a disparada de saques e vendas de papéis a qualquer preço, que afetaram o ciclo de ‘precificaçã’o’ da cadeia de crédito, levaram o Banco Central a anunciar medidas para dar mais liquidez ao mercado, que ficou disfuncional.
Mas, apesar do susto, o segmento recuperou-se rapidamente e sem maiores sobressaltos. Só uma empresa emissora de debêntures passou por um processo de recuperação extrajudicial. E nenhum fundo, que se tenha notícia, foi incapaz de honrar os resgates no momento mais crítico.
O retrato de um ano de crise nessa indústria mostra, inclusive, que além de uma acomodação relativamente rápida, esse também foi um período de grandes oportunidades de ganho no segmento.
Criado pela JGP, o índice IDEX-CDI, que acompanha o comportamento do segmento de crédito privado, só ficou no território negativo (-7,7%) em março de 2020. No mês seguinte, já começou a apresentar a recuperação, com alta de 4,07%. O comportamento do índice é um sinalizador do que aconteceu nas cotas desses fundos.
Neste mês de março, ele completará 12 meses no território positivo e existe a expectativa no mercado de que isso tenderá a ajudar no aspecto “psicológico” da captação desses fundos, uma vez que o investidor costuma observar o resultado de 12 meses e o dado negativo do ano passado deve sair da conta.
Bem na foto
Outra fotografia importante para a análise é a evolução do “spread de carrego médio” do IDEX. No jargão do mercado, “carrego” é o quanto o ativo de renda fixa gera de rendimento no tempo que resta até o vencimento do papel.
Diante do estresse no mercado secundário em março, por conta dos resgates, ele disparou de 1,28% no dia 1º de fevereiro para um pico de 4,83%, em 1º de abril. Desde então vem caindo e está agora, em março, abaixo dos 2%, em 1,98%. Não voltou aos patamares pré-pandemia, mas ninguém esperava que isso acontecesse.
“Quando o ‘carrego’ sobe muito, é reflexo da queda do preço das debêntures e das cotas dos fundos. Então, quem entrou nesse investimento nesse momento de preços baixos e ‘carrego’ alto surfou bem a recuperação e teve ganhos expressivos”, diz Muller.
A explicação para um estresse que foi concentrado num pequeno intervalo de tempo está ligada ao fato de que aqui a crise de crédito se concentrou no “passivo”, e não no “ativo”. O mercado, ele diz, sempre trabalha com ciclos de exceções e correções.
Tipicamente o ciclo é de juro baixo, o que leva as pessoas a aumentarem a exposição ao risco, o que, em algum momento, esbarra numa alta de inadimplência. “Mas o ciclo do mercado local não foi de tomada de risco na ponta do ativo, uma vez que a maioria das carteiras concentra papéis de empresas com os melhores ratings. Foi um ciclo em que se tomou muito risco na construção do passivo”, afirma.
Interesse pelo motivo errado
A indústria de fundos cresceu o patrimônio atraindo cotistas com produtos que ofereciam liquidez diária — eles chegaram a responder por mais de 65% da indústria em 2019. Esse tipo de produto se mostrou frágil por conta da baixa liquidez do mercado secundário dos títulos de crédito privado e também descasamento de prazos.
A superdemanda acabou, ainda, comprimindo tanto os spreads que o produto deixou de ser atrativo e viveu uma onda de saques em meados de 2019. Esse ajuste ainda estava acontecendo quando veio a pandemia. Os saques se acentuaram e os spreads dos papéis dispararam. Aquele gestor que precisou vender os papéis a qualquer preço para honrar resgates acabou marcando os títulos em patamares que prejudicaram os retornos.
“O ajuste foi concentrado no passivo. Do lado do ativo, a indústria nunca chegou a baixar muito a régua nos papéis”, afirma Muller.
A única empresa, nesse um ano, que expôs algumas carteiras à uma reestruturação foi a varejista de moda Restoque, que entrou em recuperação extrajudicial em junho, por problemas que já vinham de antes da pandemia. Uma troca de papéis da empresa foi realizada na semana passada, o que prejudicou o retorno de alguns fundos este mês.
Fora isso, o que houve no mercado foram renegociações de “covenants” (compromissos financeiros) de empresas diretamente afetadas pela crise, como a operadora de turismo CVC, a rede de restaurantes IMC, a dona de academias Smartfit, além da rede de laboratórios Alliar e da fabricante de componentes automotivos Iochpe.
“Mas, do lado do credor, assumindo que são as grandes empresas que têm potencial para sair da crise, isso tende a ser uma vantagem pois garante uma remuneração a mais”, avalia Muller. Para não declarar o vencimento antecipado do papel, o dono da debênture pede um “prêmio” na taxa.
O cenário atual de piora da pandemia, com mais cidades determinando o fechamento do comércio, ainda é incerto. O ponto que conta a favor é a vacinação em andamento, apesar de em ritmo lento, em todo o país. “Até o momento, do monitoramento que fazemos do mercado não identificamos nenhum caso que esteja em vias de entrar num processo de reestruturação”, afirma Muller, reforçando que o acompanhamento é constante.
O mercado também tem no radar o acompanhamento de como esse mercado vai se acomodar depois que terminarem linhas de estímulo à liquidez lançadas pelo BC, com prazo de um ano.
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