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MídiaEstresse no mercado de juros intensifica nível de aperto da Selic
Os juros de mercado deram um salto nos últimos dias, o que se sobrepôs ao aumento da desancoragem das expectativas de inflação. Com isso, a postura da política monetária, que teve um período de alívio e atingiu a mínima de dois anos em março, voltou a ficar mais apertada.
O mercado precifica que o espaço remanescente para reduções na Selic desapareceu neste momento. Mais do que isso, o risco é que seja necessária uma política monetária ainda mais restritiva à frente, ou seja, que a taxa básica tenha de voltar a subir.
A postura monetária do Brasil — obtida pela diferença entre a taxa de juros real (que desconta a inflação) e a de equilíbrio, que não estimula nem contrai a economia — tem sido mantida em níveis contracionistas e, assim, tende a desacelerar a atividade. Isso ocorre tecnicamente porque a taxa de juros real segue acima do patamar neutro de juros, que o BC estima, atualmente, em 4,5%.
No entanto, se em 2022 o nível de aperto da política monetária chegou a ser de mais de 4 pontos percentuais, isto é, com um juro real mais de 4 pontos acima do nível neutro, entre fevereiro e março a postura da política monetária foi bem menos restritiva, e ficou 2/5 em torno de 1,5 ponto. Só que o nível de restrição voltou a aumentar, especialmente nas últimas semanas.
O movimento acompanha a piora no humor dos agentes. Como o juro real “ex-ante” é obtido pela diferença entre o swap de juro de 360 dias e as expectativas de inflação de 12 meses, é natural que a taxa real sofra oscilações a depender do comportamento do mercado financeiro. E, como desde abril a piora na percepção de risco local tem aumentado, isso se refletiu na dinâmica dos juros de mercado e, consequentemente, no grau de aperto da política monetária.
Assim, o juro real tem subido com força nas últimas semanas, apesar da alta das expectativas de inflação de médio prazo. O mercado tem colocado no preço que a economia precisará de uma taxa de juros mais alta à frente para domar as pressões inflacionárias contratadas.
“A política fiscal está muito expansionista. Os dados de previdência e do BPC [Benefício de Prestação Continuada] estão todos voando. E ainda teve a ajuda [do pagamento] dos precatórios. Tudo isso está mantendo a economia aquecida e não há reação do governo em olhar para esse cenário como um problema”, diz o economista-chefe da Truxt Investimentos, Arthur Carvalho.
“O governo parece acreditar que gastar mais pode ser a solução. E, nesse sentido, a decisão dividida do último Copom só adiciona a esses temores que o mercado já tem de insustentabilidade de um país onde os gastos têm crescido muito”, afirma, referindo-se à reunião do Comitê de Política Monetária em maio, quando o corte de 0,25 ponto na Selic não foi consenso.
Vale notar, porém, que boa parte do mercado tem trabalhado, em seus modelos, com uma taxa de juros de equilíbrio mais alta. Nos cálculos do Valor Data, o juro neutro utilizado foi o de 4,5% em termos reais, como apontado pelo Banco Central. No entanto, é possível que até mesmo a estimativa de juro neutro da autoridade monetária sofra alguma revisão, como tem sido sinalizado pelos próprios diretores do BC.
A política fiscal está muito expansionista. Os dados de previdência e do BPC estão voando”
— Arthur Carvalho
Nos últimos questionários pré-Copom, a mediana das estimativas dos respondentes tem apontado para uma taxa de juros de equilíbrio de 5% em termos reais, mas há, no mercado, analistas que trabalham com números mais altos e que chegam a até mesmo 6%.
Ao atualizar as projeções para a taxa de juros de equilíbrio, o Santander elevou a estimativa de 4,6% no quarto trimestre de 2023 para 4,7% nos primeiro três meses deste ano. O banco compila dez modelos diferentes para fazer a estimativa, o que abarca desde alguns mais econométricos até os mais baseados em preços de ativos financeiros. “Vemos, com essas estimativas, uma tendência preocupante de aumento do juro natural desde meados de 2021”, diz o economista Henrique Danyi, do banco.
O foco do mercado, assim, se volta para a reunião do Copom na próxima semana. O estresse recente aumentado as apostas de que a Selic deve permanecer parada em 10,5% para não agravar a desancoragem das expectativas inflacionárias. “O ideal seria que houvesse unanimidade na decisão de parar o ciclo de cortes. Se não acontecer, vai pressionar as expectativas novamente”, afirma o economista-chefe da JGP, Fernando Rocha.
Para ele, após a interrupção dos cortes, a Selic deve permanecer parada até o fim do ano. Em 2025, o economista vê mais chance de os movimentos na taxa serem para cima do que para baixo. “Temos uma projeção de inflação bem pressionada. Por ora, as expectativas estão em 3,8%. Caso ultrapassem a barreira dos 4% e a inflação corrente piore, conforme esperamos, seria um gatilho para a retomada da alta dos juros”, afirma.
Nas projeções da JGP, o IPCA deve encerrar este ano em 4,4% e ficar em 4,2% no fim de 2025.
Os modelos de curto prazo da JGP apontam um juro neutro na casa dos 6% em termos reais. “Mais 4,5% de inflação projetada, seria um juro nominal neutro de 10,5%. Se esse patamar fosse restritivo, estaríamos vendo alguma criação de ociosidade na economia. Mas o desemprego está caindo e a ociosidade está diminuindo. Claro que há ruídos no curto prazo e é preciso dar alguns descontos, mas, no curto prazo, o juro neutro está por volta de 6% e isso é quase uma constatação factual”, diz.