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MídiaCâmbio segue sob pressão em meio a alta de juro do Treasury
Por Valor Econômico
Por Marcelo Osakabe e Felipe Saturnino —
O avanço dos rendimentos dos Treasuries nos Estados Unidos colocou o dólar novamente em rota de valorização nas últimas semanas. No momento em que o Banco Central no Brasil lida com pressões crescentes de inflação trazidas exatamente pelo repasse cambial, a nova dinâmica dos mercados globais se torna um desafio a mais para a autoridade, que se reúne na próxima semana já com as expectativas de inflação trazidas pela pesquisa Focus já acima da meta de 3,75%.
Ontem, a aprovação do pacote fiscal de US$ 1,9 trilhão nos EUA voltou a fazer com que o rendimento da T-note de dez anos operasse acima de 1,60%, levando analistas a manterem aceso o alerta para a chance de o Federal Reserve iniciar antes do previsto a retirada dos estímulos monetários no país.
O cenário externo mais desafiador já leva economistas a refazerem as projeções para o câmbio. Para Fernando Rocha, economista-chefe da JGP, o mais provável atualmente é que o dólar fique mais próximo de R$ 5,50 no curto prazo, em razão da alta do juro americano combinada com o risco fiscal. “Se estivéssemos tendo esta conversa há dois ou três meses, diria que o dólar era para ficar mais perto de R$ 4,80 ou R$ 5, por causa dos termos de troca, das contas externas. Mas a alta do juro lá fora mudou um pouco a perspectiva de entrada de capitais no Brasil”, diz. Ontem o dólar encerrou com valorização de 1,70% a R$ 5,778.
Para Vladimir Vale, estrategista-chefe do Crédit Agricole no Brasil, o movimento não vem em boa hora. “O país se beneficia pouco diretamente do crescimento americano, só se aproveita se o crescimento findar em preço de commodity maior. De outro lado, a dependência do capital externo é um problema, porque a alta do custo do dinheiro lá fora é ruim para a gente.”
O temor dos investidores vem da lembrança do evento conhecido como “taper tantrum”, em 2013, quando uma sinalização do Fed de que poderia normalizar a política monetária pegou os mercados globais no contrapé e causou forte liquidação de ativos de risco.
“Estamos em uma reprise integral do taper tantrum”, escreveu o economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais (IIF), Robin Brooks, em seu perfil no Twitter. “Naquele momento, o Fed chegou a dar boas vindas a uma alta dos juros, o que apenas fez a liquidação dos Treasuries ganhar ímpeto. Foi necessária uma forte mensagem contrária do BC americano para estabilizar os juros.”
Para o estrategista-chefe para mercados emergentes do Deutsche Bank, Drausio Giacomelli, ainda não estamos em uma reprise de 2013 e o que tem assustado é, na verdade, a velocidade com que o movimento recente se deu. Ele nota que o índice do Deutsche Bank para a volatilidade dos juros nos EUA estava, até o fim do ano passado, estacionado perto dos 45 pontos, nos menores patamares em mais de 20 anos. Desde então, rapidamente chegou na casa dos 70 pontos – um movimento brusco, mas ainda distante dos picos de 2013, quando chegou a operar na casa dos 120 pontos.
“É importante separar a reprecificação do risco, que ocorre neste momento e deve continuar, da reprecificação da inflação. Esta sim é negativa para os ativos emergentes. Uma T-note com yield de 1,60% ainda representa um juro real negativo”, diz Giacomelli, para quem essa segunda fase ocorrerá de forma mais lenta. “A inflação tem inércia, quando ela está em níveis baixos, a inércia é boa. [Então] não acho que vai ter inflação este ano, talvez daqui a dois ou três.”
No Brasil, o fato de que o Copom deve iniciar, na próxima semana, o primeiro ciclo de altas da Selic desde 2015 poderia, em tese, ajudar a limitar o efeito da volatilidade dos mercados – os economistas costumam descrever o diferencial de juros com o exterior como um “colchão” de proteção da moeda contra choques adversos. No entanto, o cenário doméstico desautoriza tal possibilidade, diz o estrategista sênior do Standard Chartered para mercados emergentes, Ilya Gofshteyn.
“No momento, isto é uma especulação. O que temos agora são taxas não suficientes para compensar todas as notícias negativas sobre a covid-19, o cenário fiscal e a incerteza política. Assim, acredito que o real continua bastante exposto à volatilidade global”, diz.
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