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Ação mais incisiva do Fed pode levar BC a estender ciclo de alta da Selic

|07.01.2022

por Valor econômico

Analistas, porém, não veem mudança significativa no cenário neste momento

— Por Victor Rezende e Felipe Saturnino

Os sinais de uma postura mais conservadora do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) no combate à inflação continuaram a se avolumar e alguns dirigentes já se mostraram favoráveis a uma elevação de juros em breve. Os rendimentos dos Treasuries voltaram a subir ontem. As bolsas também reagiram, com Wall Street fechando no vermelho. Os impactos no mercado de juros brasileiro, porém, não foram tão fortes, na medida em que investidores dizem acreditar que o cenário para a política monetária no Brasil não deve se alterar de forma significativa no curto prazo, embora alertem para a possibilidade de um ciclo ainda mais longo de alta da Selic.

O mercado de Treasuries, que anda pressionado desde o primeiro pregão do ano, voltou a observar alta das taxas, na esteira de declarações de dirigentes do Fed. Ontem, a taxa da T-note de dois anos saltou para 0,882%, no maior nível desde o início da pandemia, enquanto o retorno do papel de dez anos subiu para 1,732%. Além disso, o juro real de dez anos continuou a se afastar do nível de -1%, encerrando ontem a -0,73%.

Um dia após a divulgação da ata da reunião de dezembro, o presidente da distrital de St. Louis do Fed, James Bullard, foi enfático ao dizer que a primeira elevação nos juros poderia ocorrer já em março e ao defender que a autoridade monetária “está em uma boa posição para endereçar a inflação”.

Além disso, Bullard disse acreditar que “altas subsequentes nos juros em 2022 podem ser adiantadas ou adiadas, dependendo dos desenvolvimentos em torno da inflação”. Quanto ao enxugamento do balanço patrimonial do Fed, o dirigente argumentou que esse processo poderia começar logo após a primeira alta nos juros.

Também durante a tarde de ontem, a presidente da distrital de San Francisco, Mary Daly, afirmou que agora “chegamos a um ponto em que fica claro que a inflação está aumentando em setores não afetados diretamente pela covid”. Além disso, ela defendeu que será preciso elevar os juros para manter a economia em equilíbrio, apesar de ter apontado a necessidade de uma abordagem comedida.

Embora tenha optado por manter inalterado o seu cenário de que a primeira elevação nos juros pelo Fed ocorra somente em junho, o economista-chefe da Santander Asset Management, Eduardo Jarra, diz acreditar que a reunião de março está “viva” e que poderia ser palco para o início de um ciclo de aumento dos juros – que, no momento, estão na faixa entre zero e 0,25% -, a depender da evolução dos dados de inflação. “Se eles vierem muito fortes, podem puxar o início da elevação de juros para março”, afirma. Além disso, ele se diz surpreso, em especial, com a discussão em torno da redução do balanço patrimonial do Fed.

O tom mais duro da autoridade monetária dos EUA, porém, não gerou mudança significativa nas expectativas da gestora para a política monetária no Brasil. No momento, a Santander Asset espera que a Selic saia dos atuais 9,25% e chegue a 11,75% no fim do ciclo.

Ao pensar no comportamento do mercado de Treasuries, Jarra acredita que, talvez, ganhe força a expectativa de rendimentos mais altos dos títulos do Tesouro americano, já que a ata é mais um passo para isso se concretizar. Ele, contudo, não classifica esse movimento como um fator que pode mudar o cenário, embora reconheça que o risco aumentou.

O risco de a postura mais dura (ou “hawkish”, no jargão do mercado) por parte do Fed impulsionar ainda mais o dólar contra o real é um fator que tem sido acompanhado pelo economista-chefe da JGP, Fernando Rocha, já que uma depreciação adicional do câmbio poderia ter como resultado uma inflação ainda mais alta.

“Por outro lado, se ele for ‘hawkish’, tende a desacelerar os preços de commodities e aliviar a alta de preços. Em suma, não acho que os efeitos serão tão dramáticos assim para o cenário de juros local. Acho que o nosso ciclo está mais perto do fim do que do começo”, argumenta. Rocha, assim, acredita que, no curtíssimo prazo, a perspectiva de alta de 1,5 ponto na Selic em fevereiro se mantém. “O BC parece fortemente inclinado a isso no momento. Para tirá-lo desse curso, seria necessário vermos uma inflação muito diferente, seja muito alta ou muito baixa”, diz.

O economista, porém, observa que o desdobramento de diversas frentes caminha no sentido de juros ainda mais altos no fim do ciclo, diante da retomada dos preços de commodities e da sensibilidade do mercado à questão fiscal, no momento em que se discute reajustes de servidores públicos e novas mudanças no teto de gastos. “A âncora foi perdida e os agentes estão sem orientação”, avalia. A JGP, em seu cenário-base, também defende que a Selic encerrará o ciclo em 11,75%.

O mercado de opções digitais, na B3, indica 88% de chance de uma alta de 1,5 ponto na Selic na reunião de fevereiro do Comitê de Política Monetária (Copom), como foi telegrafado pelo próprio colegiado. No mercado de juros futuros, houve um alívio no pregão de ontem, após a forte pressão altista registrada desde o início da semana. A queda na produção industrial de novembro e o IGP-DI abaixo do esperado pelo mercado deram aval ao movimento. Assim, a taxa do DI para janeiro de 2023 caiu de 12,11% para 11,97% na B3; e a do DI para janeiro de 2025 recuou de 11,43% para 11,325%.

O economista-chefe do Sicredi, Pedro Lutz Ramos, lembra que, em geral, a atuação do Fed tende a fazer com que as moedas emergentes sofram. “Mas, no nosso caso, achamos que uma Selic de 12,25% deve segurar o dólar a R$ 5,60 no fim deste ano, compensando os efeitos da alta do juro americano.”

No entanto, o profissional pondera que uma eventual alteração expressiva na curva de juros dos Treasuries poderia fortalecer de forma significativa o dólar. “Nesse caso, o câmbio poderia não só seguir a R$ 5,60 por dólar, mas ganhar até 20 centavos a mais. Se a curva americana inteira sobe, o dólar tende a ganhar força e, internamente, pode haver um impacto inflacionário que poderia forçar o BC a agir mais”, afirma Ramos.

Jarra observa que há uma linha de defesa para mercados emergentes em geral, incluindo o Brasil. “O processo de alta de juros já está antecipado. Não estamos atrás da curva em termos globais. Além disso, há um pouco de expectativa com commodities, o que afeta positivamente os mercados emergentes, e estamos inseridos em um ciclo de crescimento global”, afirma. O economista diz se agarrar nesses três pontos, que formariam, assim, um escudo para mercados emergentes. “Se não tivéssemos essa linha de defesa, seria mais preocupante.”

Para ele, a luta no Brasil se dá, essencialmente, contra desafios internos. Embora a política do Fed deva ter reflexos no cenário interno, o mais importante é entender a magnitude da influência e comparar com o que o Banco Central está fazendo e com o que já fez, diz. “Tivemos um movimento [de alta de juros] muito forte, em um trabalho que foi feito por fatores locais. Claro que pode afetar câmbio, mas, no contexto de hoje, isso não me faz pensar em revisar o cenário de alta de 1,5 ponto em fevereiro ou de Selic em 11,75% no ciclo.”

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