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MídiaA questão ucraniana e o Brasil
por Estadão
— Por José Pugas
Em meio à escalada de tensões entre Rússia e Ucrânia, o presidente Bolsonaro foi indagado sobre se seguiria com a visita ao país de Putin. Sua resposta foi de que essa é uma questão de segurança europeia. Discordando cordialmente da declaração presidencial, não podemos negligenciar que, apesar da distância de quase 11 mil quilômetros entre Brasília e Kiev, os impactos no agro brasileiro serão graves – além das implicações globais de uma escalada de conflito global entre a Otan (maior aliança militar do planeta) e a Rússia (segunda maior potência militar do planeta). Especialmente neste annus horribilis que promete ser 2022.
Os custos dos insumos da safra de soja 2021/2022 devem subir 57,81%, de acordo com o Instituto Matogrossense de Economia Agropecuária (Imea). No milho, o aumento foi de30,92%. Entre os insumos que mais contribuíram para este aumento, qual o principal vilão? A resposta dos economistas e produtores virá em concordante uníssono: fertilizantes. Um produtor que gastou em 2021/2022 5,4 sacas de soja em fertilizantes por hectare gastará mais de 11 sacas por hectare em 2022/2023. Mas o que isso tem que ver com a Rússia?
Quando a crise de fertilizantes se instalou no Brasil, a ministra Tereza Cristina aprontou suas malas e seguiu numa missão internacional. Merece um prato de
borscht quem acertar qual país foi o destino da missão do Ministério da Agricultura.
Apesar de ser o 5.º maior consumidor de fertilizantes do planeta, o Brasil contribui somente com 2% da produção global. Entre 80% e 85% da demanda brasileira é atendida por importações. De outro lado, a Rússia é o segundo exportador mundial de nitrogenados e o terceiro maior de fosfatados. Como resultado de sua missão bem-sucedida a Moscou, a ministra garantiu o que era necessário: a oferta de fertilizantes russos para o Brasil na safrinha de 2022 e na safra 2022/2023. Agora, começamos a responder o que o custo de produção do Mato Grosso tem que ver com 100 mil soldados russos na fronteira gelada com a Ucrânia.
A eventual aplicação de sanções comerciais à Rússia e seu isolamento diplomático são um quadro mais provável que um conflito direto com a Otan. Neste momento, os diálogos sobre a aplicação de sanções estão lentos, mais pelo temor da Europa em ter interrompido o fornecimento de gás natural e combustíveis russos do que por falta de vontade entre americanos e europeus. A Rússia sabe como nenhum outro país a técnica de terra devastada, em que destrói seu território para, com isso, arrasar a moral de seu inimigo num processo autofágico. O inverno, eterno aliado da Rússia, lembra os europeus
de que sem gás natural o aquecimento de sua população não estará garantido. Independentemente disso, as sanções são mais uma questão de quando do que uma questão de se.
O Brasil não poderá ficar neutro diante deste conflito. Nosso capital diplomático quepermitia a neutralidade foi arruinado nos últimos três anos. A ampliação dos laçoscomerciais com a Rússia não será encarada como independência, mas como alinhamento.Um péssimo lugar para estar, quando estamos a poucos passos de ganharmos o indesejável selo de pária internacional.
Outro fator que deve ser considerado é o aumento do consumo de fertilizantes pela China, um dos maiores produtores e consumidores internacionais. A crise energética prejudicou a produção de fertilizante do país em 2021. Os estoques estão baixos no momento em que a China vê a necessidade de expandir a produção para alcançar a autossuficiência alimentar, aumentando em 40% sua produção de soja até 2025. No início do conflito da Rússia com o Ocidente, um dos primeiros passos de Putin foi visitar seu análogo em Pequim em busca de apoio. Diferente do Brasil, a China poderá assumir uma neutralidade incontestável e blindada de qualquer sanção e se alimentará dos fertilizantes e direitos fundiários da Rússia conforme o isolamento russo for se consolidando.
Resta-nos os EUA, um dos três maiores produtores de nitrogenados do mundo. Não devemos esperar muita piedade diplomática dos EUA em relação ao Brasil. Nem tanto pela falta de tato do Itamaraty com o governo Biden, mas pelo pragmatismo americano em questões internacionais e defesa de seus interesses. Grande consumidor de seus próprios fertilizantes, a possibilidade mais factível é de que os EUA direcionem sua produção para a Europa. O esforço recente dos EUA para convencer o Catar a fornecer gás natural para a Europa mostra que a Casa Branca está engajada na retirada de qualquer pressão russa sobre os europeus.
Na mala diplomática moscovita, Tereza Cristina trouxe outros acordos. Entretanto, com o recrudescimento do conflito ucraniano, nenhum desses compromissos poderá ser considerado como realidade para os próximos meses. O que não veio, infelizmente, novo o da FAB foi um dos lados mais fantásticos da Rússia: a sua riqueza literária e folclórica, com interessantíssimos romances e contos morais infantis. Este produto pouco exportado pelo Brasil é, no entanto, o mais importante para o consumo da equipe diplomática brasileira que segue para Moscou este mês. No conto moral da Ucrânia, que possamos entender a lição deixada. Se queremos ser uma potência global, não podemos achar que o que acontece do outro lado do Atlântico não nos atinge.
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