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MídiaOPINIÃO: Taxa de juros é como um navio de grande porte
Por Pipeline | Mercado
Por Fernando Rocha* —
O comitê de política monetária do Banco Central (Copom) decidiu fazer um ajuste mais rápido da taxa de juros. Na reunião de março, aumentou a Selic em 75 bps e comunicou que, se não houver grandes modificações no cenário, deverá dar outro aumento de 75 bps na reunião de maio. Com isso, corrige o nível exageradamente baixo em que se encontrava a Selic (2% a.a.), tendo em vista que a inflação deverá bater em 7%, em junho, e terminar o ano ao
redor de 5%, conforme projeções do próprio Copom.
O acerto da decisão de levar a Selic a apenas 2% é questionável. No meio do ano passado, os efeitos pós-pandemia pareciam ser deflacionários. Houve uma queda súbita do consumo e uma desova de estoques por parte das empresas, que promoveram descontos para fomentar as vendas. Muitos analistas e, talvez o próprio BC, acreditaram que isso seria um movimento mais permanente.
No entanto, o câmbio se depreciou e, posteriormente, houve uma forte alta nos preços internacionais das commodities. Os descontos iniciais, sobretudo nos bens transacionáveis com o exterior, deram lugar a aumentos de preços e a inflação começou a subir. Veio ainda um forte aumento de alimentos e combustíveis.
O Copom, que havia dado um “forward guidance” em set/20, dizendo que não pretendia subir a taxa de juros por um bom tempo, se viu obrigado a reverter essa comunicação em jan/21. Apenas uma reunião depois, em mar/21, decidiu subir a Selic em 75 bps, antecipando outro aumento de igual magnitude para maio.
*A observação dos fatos passados nos leva a crer que o nível extremamente baixo da taxa Selic gerou uma volatilidade exagerada na taxa de câmbio. A diferença entre a taxa de juros básica doméstica e a taxa norte-americana nunca foitão baixa.*
No momento que as taxas dos títulos do tesouro norte-americano começaram a subir, a partir de agosto do ano passado, a contradição se agravou, favorecendo uma saída de capitais do Brasil para o exterior. Ficou evidente que a taxa de juros não é apenas um instrumento para calibrar a demanda doméstica e atingir a meta de inflação, mas também um elemento importante no equilíbrio do fluxo de capitais e na formação da taxa de câmbio.
Ficamos algum tempo com o câmbio “à deriva”, extremamente desancorado, sujeito a variações fortíssimas e, muitas vezes, demandando intervenções do BC com vendas no mercado à vista ou através de swaps. Câmbio desvalorizado acaba retroalimentado a inflação e, no momento em que ela começou a subir, os esforços do BC para
impedir uma desvalorização cambial adicional se intensificaram.
Nesse sentido, a decisão do Copom de fazer um ajuste mais rápido na taxa Selic me parece acertada. Com isso, o BC tem tudo para ancorar um pouco melhor o câmbio e, ao mesmo tempo, estabilizar a curva de juros futura, que vinha se inclinando cada vez mais, supondo que, em algum momento, o nível da taxa Selic seria corrigido.
Uma lição importante que fica dos episódios recentes é que a política monetária deve procurar atingir a meta de inflação, sem perder de vista a estabilização da economia e a redução de volatilidade, sempre que possível. Mercados turbulentos, com variações bruscas de preços importantes, não contribuem para a boa performance do lado real da economia.
Outra lição importante é que países emergentes como o Brasil não podem se dar ao luxo de fazer uma política fiscal expansionista e, ao mesmo tempo, baixar a taxa de juros, baseando-se na ingênua visão de que emitimos dívida na nossa própria moeda e que, portanto, não há limites para o endividamento público. A experiência mostrou que há limites para o mercado doméstico absorver novas emissões de dívida e que a taxa de câmbio é a válvula de escape.
Câmbio depreciado alimenta a inflação que, por sua vez, reduz o grau de desvalorização real da taxa de câmbio, impulsionando uma nova rodada de desvalorização, que torna a realimentar a inflação. Se nada for feito, perde-se a âncora nominal da economia e volta-se rapidamente para um estado de alta inflação. É incrível que esta lição ainda seja questionada, tendo em vista nosso passado de descontrole fiscal e hiperinflação.
*Fernando Rocha é economista-chefe e sócio da gestora JGP
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