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MídiaOs desafios da pandemia estão longe do fim
Por Valor Econômico
Por Fernando Rocha —
Em se tratando de crescimento econômico, o ano de 2021 terá um vento contra importante vindo da política fiscal.
Em 2020, houve uma enorme expansão da despesa pública que deverá ser revertida esse ano. Os gastos com a pandemia ultrapassaram R$ 500 bilhões, sendo a maior parte (R$ 320 bilhões) destinada para transferências diretas a pessoas, o que ficou conhecido como auxílio emergencial. Em 2021, o auxílio emergencial deverá, a princípio, cair para R$ 44 bilhões. Além disso, o governo federal fez outros programas como diferimento de impostos, auxílio para empresas pagarem suas folhas de salários e transferências para Estados e municípios. Esses auxílios também deixarão de existir em 2021.
Somando tudo, chegamos à conclusão de que o efeito contracionista da política fiscal será equivalente a 3,5% do PIB. Por outro lado, como a soma do PIB do ano passado foi baixa (caiu 4% contra 2019), e houve uma recuperação na segunda metade do ano, isso significa que, mantido o nível do 4º trimestre do ano passado, o PIB cresceria 3,5% em 2021, apenas pelo efeito estatístico. Dessa forma, o efeito fiscal contracionista deve anular o chamado “carry over” estatístico. Isso significa que o crescimento de 2021 terá que vir de fontes reais, ou seja, não se pode apenas contar com o fato de que a economia já saiu do fundo da crise e que estaremos comparando a uma base muito baixa.
A mediana das projeções de crescimento para 2021 na pesquisa Focus do Banco Central está em 3,2%. Diante do “headwind” fiscal, esse número parece otimista. No entanto, há um aspecto importante a considerar. Em 2020, a taxa de poupança subiu 2,5% do PIB. Isso significa que as famílias deixaram de consumir esse montante em consequência da perda de mobilidade social. O setor de serviços foi o mais atingido pois muitas atividades envolvem contato direto com pessoas. Espera-se que com o avanço da vacinação e a redução dos novos casos da covid haja maior mobilidade das pessoas, revertendo a perda de consumo que ocorreu no ano passado. É isso o que está por trás das projeções de crescimento do PIB.
No entanto, a piora da pandemia ameaça seriamente esse cenário de recuperação. O cronograma de vacinação está mais lento do que se supunha inicialmente. O Brasil deixou muito a desejar na busca antecipada de vacinas, com a rapidez que se fazia necessária. Com isso, voltou a ter uma segunda onda que agora ameaça seriamente a mobilidade social e, por conseguinte, o desempenho da economia.
Como se não bastasse, a inflação vem dando sinais de aceleração e o Banco Central se vê forçado a apertar a política monetária, mesmo diante das incertezas quanto ao rumo da atividade econômica. A política monetária será mais um elemento atuando para reduzir a velocidade do crescimento.
Diante das dificuldades, é preciso evitar a tentação de uma saída fácil pela via fiscal. A elevada razão dívida/PIB do país nos coloca em uma situação frágil, mesmo levando em conta o fato de que rolamos a nossa dívida internamente. Apesar de ter um mercado doméstico grande, há limites para o endividamento. Os juros futuros se tornam maiores, aumenta a dificuldade de rolagem, o prazo médio da dívida diminui e, no limite, os investidores locais podem migrar para outros ativos, inclusive para o exterior.
No momento em que o ex-presidente Lula ressurge na arena política preconizando saídas mais estatizantes e de maior gasto público, é preciso ter em mente que esse caminho já nos levou para a fragilidade macroeconômica atual e que precisamos corrigi-lo com reformas que façam com que o Estado caiba no orçamento do país, elegendo prioridades e organizando os gastos públicos, ao invés de permitir que eles sejam capturados pelas minorias organizadas de sempre.
Fernando Rocha é sócio e economista-chefe da JGP
Leia a matéria original do Valor Econômico aqui.