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Mercado local tem dia positivo, mas monitora clima em Brasília

|31.03.2021

Por Valor Econômico

Por Marcelo Osakabe, Lucas Hirata, Felipe Saturnino e Olívia Bulla —

Ibovespa retoma os 116 mil pontos e juro futuro cai em pregão de ajuste técnico

Num dia de grande turbulência na cena política com troca de cadeiras no governo e demissões nas Forças Armadas, os mercados brasileiros passaram por uma recuperação moderada, sustentados por fatores puramente técnicos. O Ibovespa retomou a marca de 116 mil pontos,apoiado numa rotação de carteiras que beneficiou bancos e as ações que foram duramente penalizadas pela pandemia. Já o dólar comercial operou em queda contra o real durante boa parte do pregão e só amenizou a baixa no fim da tarde, em um ajuste depois de quatro dias de alta.

O índice referência da bolsa brasileira fechou em alta de 1,24%, aos 116.850 pontos, bem próximo da máxima do dia, de 117.090 pontos. O giro financeiro na bolsa foi de R$ 20,51 bilhões. Já a moeda americana caiu 0,10%, a R$ 5,7613.

O pregão relativamente calmo, no entanto, não tirou do foco certa apreensão com a dança de cadeiras anunciadas por Bolsonaro na segunda-feira, que incluiu a chegada de uma representante do centrão para dentro do Planalto –a deputada Flávia Arruda (PL-DF).

Na bolsa, o que garantiu um fechamento em alta foi a recuperação de ações mais ligadas ao ciclo econômico doméstico, em um movimento de rotação de carteira. É o caso de construtoras, administradoras de shoppings, varejistas e até bancos. Essa composição, no entanto, contrasta com a dinâmica no dia anterior, quando foram os papéis mais ligados a commodities e ao comércio exterior que evitaram o tombo da bolsa.

Alguns profissionais argumentaram que ainda não é possível concluir qual será o saldo dos últimos movimentos em Brasília. Por isso, os agentes preferem evitar tomar decisões precipitadas.

“Com o centrão se instalando no Planalto, um funcionário da Polícia Federal no Ministério da Justiça, um encaminhamento de resultados dúbios em relação às Forças Armadas, uma troca de seis por seis e meio no Itamaraty, os participantes do mercado oscilam entre confiança com o afastamento do impeachment, o que impediria o avanço das reformas, e desconfiança sobre os destinos do orçamento, com o sacrifício do teto em nome de sólido piso para o Congresso”, resumiu o economista José Francisco de Lima Gonçalves, do Fator.

Esse sangue frio diante do noticiário, no entanto, não passou despercebido. “O mercado está passando por cima das mortes da covid-19, do estouro do Orçamento, do mal-estar nos quartéis, da crise política, da alta dos juros americanos, do Lula solto e etc”, diz um operador sênior de renda variável de uma corretora local. Segundo ele, esse comportamento pode ser explicado pelos estímulos monetários sem precedentes lançados pelos principais bancos centrais do mundo. “A liquidez sobeja.”

No mercado de juros, o dia também foi de ajuste técnico e de reação a comentários do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Em evento virtual promovido pelo banco Daycoval, o dirigente reforçou que uma alta mais forte da Selic no início do ciclo pode permitir que a taxa final seja mais baixa.

Após a fala de Campos, a taxa do Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 passou de 4,76% no ajuste anterior para 4,66% no fim da sessão regular, enquanto a do DI para janeiro de 2027 caiu de 8,83% para 8,72%. Já as apostas por uma alta de 100 pontos-base da Selic em maio voltaram a cair: eram de 64% no fim da tarde de ontem, contra 80% na segunda-feira.

“É difícil ser preciso [sobre quanto o mercado precifica] porque tem sempre o prêmio de risco na curva”, diz Fernando Rocha, economista-chefe da gestora JGP. “Mas eu diria o seguinte: se todo mundo acreditasse que a Selic vai parar em 6,5% [no fim do ano], a curva precificaria um pouco mais do que tem hoje pelo prêmio de risco”, afirma ele, explicando que o valor de 6,5% funciona como um ponto-médio entre as apostas de investidores aplicados em taxas (aposta na queda) ou tomados (aposta na alta).

Embora algumas análises tenham destacado o ganho de governabilidade com a maior aproximação do centrão, algumas casas fizeram avaliação diferente. “Nossa leitura é mais negativa. É sintoma de que o governo está preocupado com sua continuidade a ponto de criar atritos relevantes, especialmente dentro das Forças Armadas”, diz o diretor da consultoria Eurasia no Brasil, Silvio Cascione.

Opinião semelhante tem o cientista político Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria. “Existiam duas leituras sobre como o governo iria reagir a essa conjuntura mais adversa. A primeira é que a pandemia e a rivalidade eleitoral com o ex-presidente Lula gerariam uma adaptação no modus operandi do governo, uma espécie de efeito corretivo da competição democrática. A segunda é que o governo se agarraria a determinados setores para minimizar as chances de imepeachment”, diz o analista.
“Me parece que essa reforma está mais próxima da segunda visão. O presidente já havia feito uma primeira aproximação com o centrão [na eleição das Casas], que foi erroneamente lida pelo mercado como uma chance de avançar as reformas. Mas viu que não era suficiente e sentiu necessidade de fazer outro rearranjo.’

A renúncia coletiva dos comandantes das três Forças traz outra dimensão da crise que parece se avizinhar, avalia a Eurasia. Em relatório divulgado ontem, a consultoria afirma que os riscos da crise política têm “evoluído rapidamente” e que o simples fato de que o presidente tenta solidificar seu apoio nas Forçar Armadas “de uma forma que nenhum outro presidente democraticamente eleito fez antes é claramente negativo”.

Mesmo em termos de governabilidade, restam dúvidas sobre o benefício da chegada de Alberto Fraga à Secretaria de Governo, diz Ricardo Ribeiro, analista da MCM. “Em termos fiscais e de reforma, fica a dúvida sobre o resultado. O Centrão foi ator importantíssimo no desarranjo orçamentário da semana passada”, lembra o especialista.

Leia a matéria original do Valor Econômico aqui.


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