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MídiaElo ESG com investimento pauta mudanças
Por Valor Econômico
Por Adriana Cotias —
Progressivamente, o conceito pregado por Milton Friedman na década de 1970, de que a função social de uma empresa seria exclusivamente dar lucro aos seus acionistas, tem caído em desuso. Ganha terreno a ideia de que a sustentabilidade dos negócios depende também de um olhar para o ambiente, a sociedade e a governança corporativa e que todos esses elementos fazem parte tanto dos riscos quanto do valor das companhias. Essa agenda, conhecida pela sigla em inglês ESG,avançou algumas casas com a pandemia.
Há evolução do lado das empresas, e metas associadas à temática começam aaparecer até na remuneração variável do alto escalão. No mercado deinvestimentos, os produtos com tal viés se multiplicam e gestoras de recursos semobilizam para incluir esse tipo de avaliação no cálculo de valor justo para ações epapéis de dívida. Mas ainda falta mais pressão dos grandes pools de capitaldomésticos, que pode vir por força da regulação e da autorregulação do mercadofinanceiro e de capitais.
Banco Central (BC), Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Febraban e Anbima, porexemplo, já sinalizam esforços nesse sentido. Em 2018, a resolução 4.661, doConselho Monetário Nacional (CMN), passou a prever que “entidades fechadas deprevidência complementar considerem na análise dos riscos, sempre que possível,aspectos relacionados à sustentabilidade econômica, ambiental, social e degovernança nas suas políticas de investimentos”.
Quando o CEO da BlackRock, Larry Fink, passou a cobrar nas suas cartas anuaiscompromissos factíveis das empresas, o tema se tornou mais recorrente. No textodeste ano, ele pediu às lideranças empresariais globais um plano sobre como cadanegócio se tornará compatível com uma economia neutra em carbono até 2050,depois de em 2020 ter colocado a sustentabilidade como estratégia central dagestora. O discurso vem com o peso de uma gigante, que reúne quase US$ 8trilhões em recursos. Não é fácil mover um transatlântico desse porte.
No Brasil, a quantidade de gestoras de recursos independentes que passaram acriar processos para uma seleção de ativos que considere os fatores ESG temaumentado. Assets ligadas aos grandes bancos, por sua vez, têm trabalhado naintegração e a avaliação é que são elas que podem puxar a fila se forem além damodelagem de produtos.
“A gente vê o elo ESG e investimento como dever fiduciário. Quando se faz gestão derecursos de terceiros e se avalia um ativo, se não estiver atento a questõesambientais, sociais e de governança das empresas se negligencia tanto os riscosquanto as oportunidades”, diz Renato Eid, chefe de integração ESG da Itaú Asset,que reúne quase R$ 750 bilhões. Ele diz ver cada vez mais reciprocidade dasempresas em relação a pontos que a gestora questiona. “Se não se atentar para asmudanças de padrões de consumo do cliente, a empresa vai perceber que hoje eleestá consumindo, amanhã não.”
Pelo tamanho que tem e capacidade de influência, a escolha dentro da Itaú Asset foiintegrar o tema ESG no processo de investimento como um todo, não só de fundosdedicados, que reúnem cerca de R$ 230 milhões. A matriz de avaliação geral incluiquatro dimensões sociais e quatro ambientais, alinhadas com a agenda 2020/2030de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU).
Não há uma política de exclusão de empresas ou setores de antemão e sim umainteração, um processo de construção de conhecimento com as companhias, dizEid, identificando quais os gaps e oportunidades e exercendo poder de voto nasassembleias de acionistas. Na gestão de crédito, a equipe ESG participa dos comitêsde investimentos e tem poder de veto.
Olhando para o que se observa lá fora, Eid acha que o processo de integração vaievoluir a ponto de a remuneração variável dos executivos ser atrelada a metas desustentabilidade também no Brasil. “É um tema tão inerente à melhora daqualidade de vida e de risco e retorno quando se fala de investimentos, que énatural ganhar espaço até onde não era pensado.”
Levantamento recente da Willis Towers Watson nos formulários de referência de 14empresas que fazem parte do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3mostrou que apenas quatro reportaram incorporar métricas de ESG nos planos deincentivos de curto e longo prazo de seus executivos.
Quanto mais críticos forem para determinada atividade – como siderurgia,mineração, petroquímica ou petróleo -, mais discriminados os fatores ESG têm que estar nos indicadores de remuneração, diz Márcio Correia, sócio-gestor da JGP.“Quanto mais se aprofunda nesses temas, mais espinhosos se tornam porque umahora vai se questionar também a relação entre a remuneração dos principaisexecutivos em relação aos demais funcionários.”
Não adianta a empresa anunciar ao mercado que os bônus dos executivos serãocondicionados a fatores ESG se não forem sensíveis ao negócio, diz FabioAlperowitch, sócio-fundador da Fama Investimentos. “Quais fatores? As metas sãoambiciosas? Se quiser fazer direito, coloca a [redução da] emissão de CO2 naeconomia circular, naquilo que é realmente crítico para a empresa, mas não ter umameta de 1% para ESG só para falar que tem. Vai ter muito ‘greenwashing’[maquiagem verde] em cima disso.”
Entre os avanços que têm percebido, Carolina da Costa, sócia da Mauá Capital, diz jáver empresas se mobilizando para rever a função executiva ligada àsustentabilidade, migrando para um modelo de governança multidisciplinar, comparticipação que vai da tesouraria à área de relações com investidores. O tema ESGjá entra na visão do negócio, na formação de lideranças e passa a ser pré-requisitopara a atração de profissionais.
Ela cita ser difícil ainda medir uma relação de causalidade entre boas práticas eresultados, mas quando a mentalidade da liderança é confrontada com o financeiro,quanto de Capex está sendo empregado e como estão sendo remunerados osexecutivos é mais claro identificar se há um direcionamento para a mudança. “Aempresa está remunerando num bom equilíbrio com o longo prazo numa inovaçãoou no desinvestimento em algumas áreas? Se o discurso não conversar comdimensões materiais é difícil acreditar no resultado que se almeja”, afirma Carolina.De forma geral, ela diz que as empresas estão refinando o olhar ESG também para acriação de novos negócios. “Não é trivial, exige inovação aliada à estratégia.”
O tamanho é uma questão que faz toda a diferença no poder de barganha dosgestores, diz Carolina. “As grandes assets têm a possibilidade de ter umaparticipação acionária maior nas empresas, podem exercer muito maisengajamento”, diz. “E os bancos têm poder bastante determinante porque sãocapazes de financiar a transição econômica.”
Assets menores, por sua vez, podem auxiliar na mudança da cultura e com soluçõesde funding. Por ser uma gestora pequena, a executiva cita que a Mauá tem focado atransformação da cadeia de suprimentos, com instrumentos para financiar setoresque queiram adotar práticas de produção mais sustentáveis.
A abordagem ESG pode não ter reflexo no preço das ações de imediato, mas lá nafrente, quando a regulação e autorregulação convergirem para isso, vai ter negócioficando para trás, diz Marcelo Cabral, CEO da Neo Investimentos.
“É importante a companhia ter certeza de que está olhando para aquilo que façasentido na relação risco/retorno. O que não for material, deixar de lado, se forabordar tudo vai rasgar dinheiro. O que for material tem que colocar na visãoestratégica e alinhar com a alta gestão, colocar metas e afetar remuneração.”
A parte variável do salário e outros critérios de sustentabilidade, têm de estaralinhados com os minoritários e não ser de curto prazo, diz Raquel Diniz, gestora derenda variável da Santander Asset, que reúne quase R$ 300 bilhões. “As empresasque não estiverem preparadas para responder quais são seus investimentos emétricas ESG internas vão ficar para trás”, afirma. “Custa para a empresa terestrutura para conciliar, formatar de forma que fique claro para o investidor. Masnão há outro caminho porque senão ela perde um pool de investidores grande.”
Leia a matéria original do Valor Econômico aqui.