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MídiaAnálise: Por que o Ibovespa avançou quase 5% em janeiro mesmo com desconfiança do investidor?
A imprevisibilidade trazida pelo segundo mandato do presidente americano, Donald Trump, elevou os temores de fortes turbulências nos mercados e adicionou mais incerteza ao ambiente local, onde já dominavam discussões sobre um recuo nos preços de alimentos e sobre a perda de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Como resultado, investidores colocaram o pé no freio, o que causou uma forte desalocação na renda variável nas últimas semanas de 2024.
Ao contrário do cenário visto no fim do passado, os ativos domésticos registraram um desempenho mais positivo do que o esperado neste mês. Em destaque, o Ibovespa disparou 4,86%, na melhor performance mensal desde agosto de 2024, quando o índice avançou 6,54%. O movimento também foi seguido pelo dólar, que recuou 5,54% contra o real em janeiro.
O sócio e gestor dos fundos de ações da JGP, Márcio Correia, explica que há alguns vetores que impulsionaram o desempenho do principal índice da bolsa brasileira neste mês. Ao olhar para o técnico, o executivo nota que o Ibovespa está com um “valuation” bastante descontado, ao mesmo tempo em que investidores estão com posições muito baixas em ativos brasileiros. Além disso, boa parte dos fundos multimercados está com uma exposição vendida (que se beneficia da desvalorização) em ações brasileiras, segundo monitoramento feito pela casa.
Já o segundo vetor estaria ligado a um conjunto mais favorável de notícias divulgadas ao longo deste mês. Correia afirma que o fluxo grande de saída de dólares visto em dezembro parece ter cessado e que dados mais fortes apresentados pelo governo central em dezembro podem ajudar as contas públicas.
Nesse sentido, o executivo lembra que o tom mais “dovish” (menos inclinado ao aperto monetário) adotado no comunicado divulgado pelo Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, somou-se a dados mais fracos da atividade econômica local, o que contribuiu para uma reprecificação da curva futura de juros para baixo.
O colegiado indicou a alta de 1 ponto percentual na próxima reunião, como havia sinalizado anteriormente, mas deixou em aberto a decisão do encontro de maio. Marcelo Nantes, gestor de renda variável do ASA, avalia que o Copom poderia ter indicado uma nova alta, em função dos números recentes, e que o discurso foi mais “soft” (leve).
“Vemos dados indicando pressão, que suportariam o discurso de que os juros não são suficientes para trazer a inflação à meta. Então, ele poderia ter indicado que vai subir os juros além dos 100 bps da próxima reunião”, explica o gestor.
Na visão de Nantes, o mercado reagiu a uma melhora de perspectiva de curtíssimo prazo. “Não vamos ter juros tão mais altos quanto poderiam ser. Logo, podemos ter atividade um pouquinho melhor, assim como os lucros das empresas”, avalia o executivo.
Assim, a reação ao Copom destravou uma alta mais forte do Ibovespa na sessão da última quinta-feira (30), quando o índice subiu 2,82%. O executivo da JGP lembra, ainda, que as declarações de Lula a jornalistas na sessão de ontem foram bem-recebidas por agentes financeiros e contribuíram para a alta da bolsa. “O presidente falou de uma maneira que foi amigável ao mercado e manteve a retórica de responsabilidade fiscal.”
A impressão do gestor do ASA é que nas últimas duas semanas houve um “bottom fishing”, ou seja, os papéis ficaram muito baratos e investidores começaram a comprar, já que antes não estavam preocupados com a avaliação técnica das ações, mas com a ideia de zerar a alocação de risco. “O momento é de entender o quanto desse movimento de correção técnica ainda tem para acontecer”, destaca.
Além disso, em meio a dados mais fracos de atividade, há sinais que a economia possa estar desacelerando, e a leitura de que a Selic poderá não subir tanto quanto o precificado anteriormente passa a ganhar força.
“Uma desaceleração da economia entre moderada e média seria bem-vista pelo mercado, porque tiraria a pressão da inflação e os juros poderiam cair. Já se tivéssemos uma recessão, o impacto seria maior no lucro das empresas. O juro poderia cair, mas a 3/3 bolsa também iria recuar”, pondera o gestor da JGP.
Ao contrário do que era esperado, o cenário internacional também foi favorável diante da postura mais branda adotada pelo presidente Donald Trump, especialmente em torno da política tarifária, explica o gestor da JGP. A impressão ao longo do mês se manteve até a tarde de hoje, quando os EUA confirmaram que irão impor tarifas a produtos chineses no valor de 10%. O governo americano também disse que adotará tarifas de 25% sobre produtos mexicanos e canadenses a partir da mesma data.
Para os próximos meses, Correia diz que a imprevisibilidade de Trump sobre a política tarifária poderá voltar a balançar os mercados. No entanto, diz estar mais otimista a longo prazo, de olho nas eleições de 2026 e no nível dos juros e do “valuation” do Ibovespa. “Existe uma possibilidade de termos acabado o ‘bear market’ da bolsa. Se isso for verdade, um ‘bull market’ costuma começar de maneira errática, com um sobe e desce e com baixo volume financeiro”, diz.