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Os ciclos gêmeos: juros e crédito no mercado brasileiro

|20.03.2023

Na história recente das economias capitalistas, os ciclos de crédito guardam estreita relação com os ciclos de política monetária. Em geral, situações de excesso de demanda agregada provocam pressões inflacionárias, exigindo respostas dos bancos centrais via aumento de juros e redução dos estímulos para o consumo e investimentos. O alto custo de capital também pressiona os balanços corporativos, piorando os indicadores de crédito e gerando mais inadimplência. Nesse processo, empresas mais operacionalmente competitivas e de acesso a capital ganham mercado, seja pela redução das operações dos competidores menos eficientes ou pela consolidação de concorrentes em dificuldades. Ao final do ciclo, o esfriamento da demanda agregada arrefece as pressões inflacionárias, abrindo espaço para que os BCs reduzam juros, melhorando os indicadores de capacidade de pagamento das empresas e suportando a expansão das margens de lucro das companhias sobreviventes, agora beneficiadas pelo maior poder de mercado gerado pela consolidação e por despesas financeiras mais baixas.

As empresas brasileiras vêm experimentando um novo ciclo de aperto de crédito, resultante principalmente da relevante alta da taxa SELIC como resposta aos indicadores de inflação persistentemente acima da meta estabelecida. A base de empréstimos concedidos para pessoas físicas já vinha, desde o final de 2020, registrando maiores atrasos, provocados pela forte expansão de linhas de financiamento para indivíduos gerada pelo crescimento das fintechs. O comportamento dos indicadores de atraso para empresas demonstrava certa resiliência desde o final de 2020, beneficiado também por amplas fontes de crédito alternativas abertas no mercado de capitais, mas tende a ser impactado a partir de fev-23 pela recuperação das Lojas Americanas, seus efeitos sobre as cadeias de fornecedores (não só varejo, mas segmentos financiados por operações de risco sacado) e sobre captações de linhas via mercado de capitais.

As emissões de debêntures distribuídas no mercado de capitais registraram impressionante média de R$11bi por mês durante 2022, uma alta de 5% frente a 2021, de acordo com a ANBIMA. As captações médias mensais em fundos locais com alocação superior a 50% foram de cerca de R$10bi durante os 24 meses entre 2021 e 2022. Inegavelmente, esses dados marcaram uma fase de expansão na oferta de crédito, com efeitos estimulativos sobre a demanda agregada e dinâmica inflacionária.

A virada no ciclo de crédito foi marcada pela elevação de cerca de 100bps nos spreads do IDEX-CDI (índice de debêntures com boa negociabilidade produzido pela JGP) entre dez-22 e fev-23 e por uma forte queda nas emissões de debêntures em fev-23. A queda nos preços dos títulos é, entretanto, um sinal necessário para o ajuste dos ciclos. Os spreads mais elevados nos títulos das grandes empresas brasileiras aumentaram a remuneração efetiva do investimento, atraindo compradores marginais e gerando forte aumento no volume negociado no mercado secundário de debêntures. Paralelamente, spreads mais altos no secundário guiam spreads maiores no mercado primário, reduzindo momentaneamente os planos de expansão das empresas e as pressões sobre a demanda agregada na economia. Ao final do dia, spreads mais altos somam-se aos esforços de ajuste via juros do ritmo de atividade e tendem a acelerar a criação das condições para a reversão do próprio ciclo de alta da SELIC, começando a criar a expectativa de melhoria dos resultados corporativos no futuro e atraindo novamente investidores interessados nos altos rendimentos atualmente disponíveis em ativos de crédito. Nesse sentido, a estabilização dos spreads de crédito do IDEX nos primeiros 10 dias de março e os altos volumes negociados no mercado secundário de debêntures sugerem que os vendedores de debêntures, ainda preocupados com o curtíssimo prazo, estão encontrando compradores, eventualmente mais construtivos, em busca de oportunidades com a reversão do ciclo de crédito e do seu irmão gêmeo, o ciclo de juros.

A gestão ativa de investimentos é marcada pelo equilíbrio e assertividade das apostas na predominância entre essas perspectivas de curto prazo (preocupação com o atual alto custo de capital e impacto nos balanços corporativos, receio de novos ajustes contábeis negativos como LAME) e médio prazo (espaço para queda de juros, alívio na capacidade de pagamento das empresas, retomada das emissões em mercado de capitais). No caso brasileiro, uma variável chave nesse balanço é a preservação das condições básicas para que os ciclos econômicos se ajustem, como a manutenção da independência do BCB, o funcionamento equilibrado das instituições e o respeito aos contratos. Assumidas essas condições, o aperto no mercado de crédito deve marcar a base para um ajuste no ciclo de juros, proporcionando melhora na percepção de risco e nos próprios spreads de crédito. Aos investidores, resta o desafio de navegar os tempos de maiores retornos no mercado de crédito com alta seletividade nas escolhas de ativos, aguardando que os ciclos gêmeos voltem, enfim, a apertarem as mãos.

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