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MídiaCopom deve endurecer o tom e manter Selic em 10,5%; mercado debate chance de alta de juros até o fim do ano
É unânime a aposta de que, nesta semana, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central irá manter a taxa Selic parada em 10,5% anuais. No entanto, é crescente a percepção, entre participantes do mercado, de que a autoridade monetária se verá obrigada a endurecer a retórica, tendo em vista a valorização expressiva do dólar desde junho e a piora nas expectativas para o IPCA, que devem afastar ainda mais as projeções de inflação do colegiado para este ano e para 2025 do centro da meta oficial, de 3%.
E é com base na piora esperada das estimativas para o IPCA que as discussões sobre a natureza do balanço de riscos para a inflação devem ganhar protagonismo, especialmente no momento em que os economistas debatem se o próximo movimento da Selic no Brasil será para cima ou para baixo.
Todas as 123 instituições financeiras e consultorias ouvidas pelo Valor esperam que o Copom siga com o juro em 10,5% na quarta-feira, e a grande maioria das casas projeta a taxa básica ainda neste nível ao menos até o fim de 2024. Apenas 12 instituições veem alguma mudança na direção dos juros até dezembro – nove delas esperam a retomada do ciclo de cortes, enquanto três apontam elevação na Selic ainda neste ano.
Já em 2025, a maior parte do mercado espera que as condições monetárias voltem a ser flexibilizadas no Brasil. A mediana das respostas aponta para uma Selic de 9,5% ao fim do ano que vem. Vale apontar, porém, que há um crescimento no número de economistas que projetam um juro básico parado em 10,5% por um período mais longo. Na pesquisa feita pelo Valor em junho, 21 casas projetavam a manutenção da taxa básica nesses níveis ao longo do próximo ano. Agora, são 34.
A desconfiança de parte do mercado com a possibilidade de retomada dos cortes de juros se dá em um momento de forte depreciação cambial. Na última reunião do Copom, a taxa de câmbio utilizada pelo colegiado para traçar suas projeções era de R$ 5,30, patamar que deve subir para algo em torno de R$ 5,55 na próxima decisão.
Em seu último comunicado, o Copom apontou que, em um cenário alternativo no qual a Selic se mantinha parada em 10,5% ao longo de todo o horizonte relevante, sua projeção de inflação estaria em 3,1% e, portanto, ao redor da meta. Com a depreciação cambial, no entanto, essa projeção deve se afastar do centro da meta, o que tem levantado um debate sobre uma possível reação por parte da autoridade monetária.
Para a economista-chefe para Brasil da Galapagos Capital, Tatiana Pinheiro, as projeções de inflação do colegiado acabarão por mostrar, por elas mesmas, que o colegiado já está no limite de sua estratégia de manter a Selic inalterada em 10,5% por um longo período de tempo. Simulando os modelos do Copom com o câmbio de R$ 5,50 por dólar, a economista acredita que a projeção de inflação, no cenário alternativo, deve subir para algo entre 3,4% e 3,5%.
“O Copom necessariamente vai vir, no cenário alternativo, com uma projeção que vai se distanciar ainda mais da meta. Essa mensagem do número, por si só, vai ser suficientemente dura. As esperanças daqueles que viam a pausa no afrouxamento monetário como algo breve devem ir por terra. Isso já vai levar à conclusão de que estamos no limite de uma alta de juros, a menos que o câmbio volte”, diz. Apesar da situação desafiadora do Copom, Pinheiro não acredita que exista, neste momento, um consenso dentro do colegiado para alterar a característica do balanço de riscos para uma assimetria dos riscos de alta para a inflação.
“Mesmo porque, pelas falas dos diretores do BC, a avaliação é a de que o cenário internacional está menos adverso. Não tivemos grandes mudanças no mercado de trabalho e, mesmo na discussão fiscal, não tem nada de muito novo. Não tem nada dentro dessas variáveis de risco que possam ser adicionadas e validar a unanimidade da assimetria no balanço”, observa a economista da Galapagos.
Assim, a mudança no balanço de riscos deve ocorrer somente quando o colegiado tiver convicção de que elevações nos juros estão a caminho. “Não acho que essa seja a leitura dentro do comitê agora. Acredito que a comunicação vai vir no sentido de ganhar tempo e de se colocar em modo dependente dos dados até a reunião do Copom de setembro.”
A avaliação é semelhante à da superintendente de pesquisas econômicas do Bradesco, Myriã Bast. Ela afirma que, desde o último Copom, a principal mudança nos modelos do BC está no nível da taxa de câmbio. E, nesse contexto, as projeções devem seguir pressionadas, o que sugere cautela na condução da política monetária. “Quando replicamos o modelo alternativo do BC, com Selic estável, encontramos IPCA próximo de 3,4% em 2025, mas ao redor da meta no horizonte relevante, que agora já deve incluir 2026”, lembra.
Assim, o Bradesco entende que a comunicação deverá se manter neutra, sem se comprometer explicitamente com os próximos passos, já que a Selic estável ainda é uma estratégia que leva à convergência para a meta de inflação. A instituição espera uma Selic estável em 10,5% até o final de 2025.
“O BC tem adotado, nos últimos anos, um horizonte de 18 meses, então ele vai começar a entrar em 2026. Estamos olhando para o primeiro trimestre de 2026 e o modelo dele, reproduzido por nós, sugere um IPCA ao redor da meta. Sim, o peso maior ainda está em 2025, mas ele está se movendo”, diz Bast.
O processo de depreciação do câmbio desde a reunião de junho e a piora na percepçãode risco fiscal pelo mercado colocaram de vez a discussão sobre um retorno a um processo de elevação na Selic. No último mês, algumas casas já passaram a incorporar essa possibilidade no cenário-base – casos da XP Asset Management, da Reag Investimentos e da Novus Capital.
“O Copom não tem escapatória, a não ser mostrar um recado duro. Não tem muito o que fazer. Todas as condições econômicas caminharam na direção de se ter a obrigatoriedade de endurecer o tom. O Copom vai para a reunião bastante pressionado e com um câmbio muito mais depreciado e expectativas deterioradas. Além disso, ele corre o risco de gerar uma nova rodada de piora nas expectativas se não for duro o suficiente”, diz o economista-chefe da Novus, Tomás Goulart, para quem uma assimetria altista no balanço de riscos seria bem-vinda.
“Pensamos em um ajuste curto e a passos não tão apressados, na tentativa de se beneficiar da queda de juros no mundo, o que pode gerar uma apreciação cambial para, depois, controlar a inflação”, aponta. No cenário da gestora, a Selic pode encerrar este ano em 11,25% e chegar a 12% em 2025.
Além disso, na visão de Goulart, embora seja natural em qualquer banco central haver divergência de pensamentos entre os diretores, o núcleo dos dirigentes mais voltado à política monetária deveria prezar, neste momento, por um voto único. “Ou então você não sabe qual mensagem seguir. Por mais que divergências possam existir, seria importante vermos os membros mais ligados à política monetária votando juntos até para gerar alguma recuperação de credibilidade”, diz Goulart.
Monitorando o comportamento do câmbio, o economista-chefe da Itaú Asset Management, Thomas Wu, aponta que há algumas mudanças – que podem ser estruturais – na balança de pagamentos do Brasil, com saídas expressivas de dólares por conta de serviços de tecnologia, criptomoedas e apostas esportivas. Assim, para ele, há a possibilidade de que o câmbio, negociado a R$ 5,50 por dólar, não esteja assim “tão barato”.
“Combinando isso com uma atividade mais forte que o esperado, você começa a discutir um pouco a probabilidade de subida de juros. Óbvio que isso depende, em particular, das expectativas, que também têm subido. Elas são voláteis. Mas, se estamos discutindo se esse dólar a R$ 5,50 é permanente, devido à eleição nos EUA e à mudança na nossa conta corrente, menor é a probabilidade de as expectativas voltarem para perto da meta.
Portanto, maior é a probabilidade de uma potencial subida de juros”, segundo Wu, em “live” mensal da Itaú Asset na semana passada.
Ainda que o cenário-base da gestora de fundos do Itaú seja o de manutenção da Selic em 10,5% ao menos até o fim de 2025, algumas famílias de fundos da casa, como a Janeiro e a Artax, já apostam que o BC será obrigado a apertar a política monetária nos próximos meses. A curva de juros continua a precificar elevações na taxa básica, ao indicar uma Selic acima de 11% neste ano.